Em 1983, António Variações aventura-se no mundo da música ao lançar Anjo da Guarda, o primeiro dos dois álbuns que elaborou no seu curto tempo de vida. Foi há quase 36 anos que nasceu um dos álbuns mais marcantes da música nacional, do qual resultaram várias canções que permanecem, até aos dias de hoje, na memória coletiva do povo português.

Anjo da Guarda, além de se assentar numa forte crítica social, pode ser entendido como uma espécie de “conversa” entre António Variações e os ouvintes, tendo em que conta que o artista recorre à segunda pessoa do singular com frequência. Na verdade, o barbeiro de profissão parece dar conselhos a quem o ouve, ao cantar de uma forma informal e totalmente inovadora para a época.

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Ao longo das dez faixas é possível perceber que António faz jus ao seu apelido artístico “Variações”, uma vez que as canções se encontram preenchidas com sons alegres de guitarra, bateria, baixo e, até, saxofone, que, devidamente conjugados com a voz inconfundível do artista, se concretizam em absolutas obras de arte. De facto, é possível retirar várias referências Pop, Rock e Blues da maioria das canções do projeto, mas também de Fado.

Esse é o caso específico da faixa “Voz-Amália-de-Nós”. Aqui, Variações sai da sua zona de conforto e adapta, de forma brilhante, a canção “Povo Que Lavas No Rio”, de Amália Rodrigues.

Destas dez canções, algumas obtiveram bastante fama e visibilidade no momento do lançamento, como “É Pr’Amanhã”, “Assim Fala Um Português” e “Estou Além”. Porém, a que mais se destaca é “O Corpo É Que Paga”, provavelmente a mais célebre do disco e de toda a carreira do artista.

Por outro lado, houve outras canções, como “Visões-Ficções” ou “Linha Vida”, que não conquistaram o mesmo espaço nas rádios e nos restantes meios de difusão. Foram, possivelmente, “abafadas” pelos singles suprarreferidos, que obtiveram um sucesso respeitável.

Além da complexidade sonora, o outro ponto que se deve destacar deste álbum é, sem dúvida, o seu caráter intemporal. Mais velhos ou mais novos, raros são aqueles que não conhecem excertos tão célebres como “Quando a cabeça não tem juízo, quando te esforças mais do que é preciso, o corpo é que paga” ou “Estou bem aonde eu não estou porque eu só quero ir aonde eu não vou” e, ainda, “É pr’a amanhã, mas podias fazer hoje, porque amanhã sei que voltas a adiar. E tu bem sabes como o tempo foge, mas nada fazes para o agarrar.

Em suma, considero que este disco, embora bastante antigo e desconexo das preferências das massas atuais, é um excelente retrato dos anos 80 e merece ser escutado por todos. Para além disso, é, também, uma prova da qualidade, por vezes desvalorizada, da música nacional.