Lançado nos Estados Unidos em 1970 e em 1971 na Inglaterra, The Man Who Sold The World é considerado um dos álbuns mais experimentais de David Bowie. O terceiro álbum do “Camaleão do Rock” é constituído por nove canções marcadas pela estranheza e inquietação, traços de certa forma característicos de Bowie.
Elaborado em conjunto com The Spiders From Mars, banda que se tornou famosa com o quinto álbum do artista, The Man Who Sold The World pode ser visto como o início da revelação da identidade musical de David Bowie como hoje a conhecemos. Apesar de ser associado ao subgénero Glam Rock dos finais dos anos 60 em Inglaterra, o álbum teve mais sucesso nos Estados Unidos do que no país de origem do artista.
“The Width Of A Circle”, a primeira faixa, começa de forma tradicional e acaba num estilo mais pesado, com a narração de um encontro sexual com o Diabo. A guitarra de Michael Ronson faz a ponte entre os vários estilos adotados, sendo posta em evidência várias vezes ao longo dos oito minutos da canção.
O segundo tema, intitulado “All The Madmen”, faz-nos mergulhar na loucura. Tanto pela letra, que retrata a ideia de que os mais sãos são os mais loucos, e pela utilização de sintetizadores subtis, distorções de voz e ecos.
A canção seguinte, “Black Country Rock”, é possivelmente a mais leve do álbum. Remete para o estilo híbrido do Blues-Rock, onde se destaca, mais uma vez, a guitarra.
“After All” trata-se de uma faixa com alguma impertinência pela utilização de uma batida suave, diferente de todas as faixas anteriormente escutadas. No entanto, o seu conteúdo revela-se imbuído numa forte intelectualização, que se reflete nas várias interpretações possíveis da letra. A expressão “oh by jingo”, por exemplo, é utilizada com muita frequência, e deixa sempre em dúvida se pretende que seja associada a uma evocação a Deus ou que simplesmente expresse surpresa. Para além disso, David Bowie menciona que o homem é apenas uma criança mais alta (“They’re just taller children, that’s all, after all”) e que é também um obstáculo (“Man is an obstacle, sad as the clown”). A futilidade da procura de significado por sermos todos muito pequenos (“We’re all very small”) parece também ser uma ideia presente.
“Running Gun Blues” poder ser considerada uma canção progressiva clássica. Em termos de conteúdo, fala sobre a guerra do Vietname de foma irónica (ou não), retratando a figura do soldado como alguém que mata por instinto.
Por sua vez, “Saviour Machine” pinta um objeto de ficção científica, uma máquina que seria a salvação em que todos parecem acreditar. Todos, menos Bowie, que pede que não acreditem nele e que estejam em desacordo (“please don’t believe in me, please disagree with me”).
Assim, a ideia anteriormente cantada de que o homem e as suas crenças são um obstáculo é aqui retomada.
O teor sexual volta a encontrar-se em “She Shook Me Cold”, onde são utilizadas descrições sombrias que contrastam e tentam elevar a típica canção de amor. Nesta faixa, existe um maior destaque na bateria e na guitarra.
Na penúltima canção, que dá nome ao álbum, podemos interpretar que existe um diálogo entre a pessoa que éramos e a pessoa que somos, ou seja, existe uma dicotomia entre o passado e o presente. Assim sendo, “The Man Who Sold The World” pode ser uma metáfora para a evolução e para o crescimento pelo qual todos nós passamos.
“The Supermen”, o tema final do projeto, começa com um interessante jogo de bateria e guitarra. De certa forma, retrata um tipo de homem que não pode morrer, o homem invencível. Parece querer pôr o ouvinte no lugar do super-homem, fazendo refletir sobre este ideal.
Com pontos de vista diferentes dos esperados, especialmente em “She Shook Me Cold” e “All The Madmen”, David Bowie mostra que as canções de amor não têm de ser todas cor-de-rosa, e que os loucos podem ser os que mais parecem sãos. The Man Who Sold The World é, assim, um álbum com letras extremamente elaboradas e com múltiplas possibilidades interpretativas. Contudo, em termos de musicalidade, apresenta pouca inovação.
# ARQUIVO | The Man Who Sold The World: amor sombrio e loucura intelectual
7/10
Álbum: The Man Who Sold The World
Artista: David Bowie
Data de Lançamento: 4 de novembro de 1970
Editora: Parlophone Records