Relato de um Náufrago é uma obra da autoria do escritor colombiano Gabriel García Márquez, que retrata a história de sobrevivência de Luis Alejandro Velasco. Não só impressiona pelo seu caráter realista, como também encanta por se distanciar de qualquer tipo de ficção.

Dado como um acontecimento verídico, o livro aborda a história do naufrágio do contratorpedeiro Caldas, da Marinha de Guerra da Colômbia. De vários membros da tripulação a bordo, apenas um tripulante conseguiu lutar pela vida e sobreviver, Luis Alejandro Velasco, que passou dez dias no mar, em delírios e martírios constantes. Após esse tempo em pleno oceano, o sobrevivente consegue alcançar uma ilha no norte da Colômbia, tornando-se rapidamente numa figura de extrema importância aos olhos de todos aqueles que tomavam conhecimento da sua história.

Gabriel García Marquéz

Cansado e constrangido de ver o seu heroísmo associado ao sofrimento que passara no mar e por ter a sua imagem consagrada em anúncios publicitários que lhe eram pagos, Luis decide relatar a sua história completa ao jornal “El Espectador”, com o objetivo de contar com clareza, sinceridade e pureza o que realmente acontecera. Desta forma, Relato de um Náufrago não é nada mais, nada menos, do que a reconstrução jornalística do relato dessa experiência.

À medida que o leitor vai folheando o livro, este, de mais a mais, vai-se tornando num mistério acrescido que só consegue ser resolvido até se chegar ao final. A forma detalhada e pormenorizada com que as descrições dos dias em pleno alto mar são feitas, tal como as sensações e emoções de Luis Velasco perante o martírio vivido, permitem-nos sentir na pele as suas dores. Dependendo de ínfimos recursos para se manter vivo, contentando-se apenas com uma balsa, dois remos, um relógio de pulso, umas chaves e duas peças de roupa vestidas, foi com este conjunto de coisas que a personagem conseguiu combater os seus maiores medos e perigos.

Um dia no mar é sentido como se de um ano se tratasse, pois o dia é passado na solidão, na esperança do salvamento, na crença de que falta pouco para se chegar a terra. A noite, por sua vez, transforma-se num pesadelo vivo, onde não há tempo para dormir, mas horas suficientes para se desesperar e pensar no pior de todos os abismos, a morte. “A minha primeira impressão ao aperceber-me de que estava imerso na escuridão, foi a de que já não conseguia ver a palma da minha mão, foi a de que não conseguia dominar o terror.”

Os dias iam passando e a necessidade de comer ia aumentando. No relato do náufrago é possível ter-se a perceção do seu desespero e delírio com a fome que se acrescia. “Naquele momento, a fome era mais forte do que tudo. Agarrei na cabeça do animal com força e comecei a torcer-lhe o pescoço, como a uma galinha”.

Nunca perdendo a pouca esperança que ainda lhe restava, Luis, a dada altura, contempla o horizonte e consegue avistar terra. E, para chegar a terreno firme, utiliza as últimas forças que tem para não perder a oportunidade que lhe foi dada para sobreviver.

Como já referido, a personagem é recebida como um herói, cujo heroísmo, como o próprio refere, está no facto de não se ter deixado morrer. “Se a balsa fosse abastecida com água, bolachas aglomeradas à pressão, bússola e instrumentos de pesca, certamente que estaria tão vivo como estou agora. Mas havia uma diferença: não tinha sido tratado como um herói. De maneira a que, no meu caso, consistira exclusivamente em não me ter deixado morrer de fome e de sede durante dez dias.”

Em considerações finais, este é um livro que deve ser lido mais do que uma vez, pelo simples facto de fazer relembrar ao leitor da força e da determinação que o ser humano tem para fazer os possíveis e impossíveis quando o que está em jogo é a sua vida. Para além disso, a obra consegue também despertar, àqueles que o leem, a importância que o tempo tem nas nossas vidas, o que determina a forma como atribuímos importância a tudo que nos rodeia, desde as coisas mais simples às mais complexas.