O Monstro Precisa de Amigos foi o segundo e último álbum da banda portuguesa Ornatos Violeta, aclamada por muitos. Este projeto, lançado em 1999, ganhou imensos prémios e louvores, todos eles bem merecidos pela qualidade do disco.
O número 13 pode significar para muitos o mau agouro, um presságio do mal. No entanto, não é o caso desta obra, onde o número representa grandes obras primas do final dos anos 90, devido às 13 canções de qualidade integrantes do projeto.
Começamos com “Tanque”, uma introdução pouco ortodoxa, meio alienígena para a época. A lei do “deixa andar” parece reger a letra, já que o vocalista Manuel Cruz se queixa que o mal dele é ver que vai bem e que, mais tarde, lhe pode sair o tiro pela culatra. A guitarra de Peixe introduz um belo mote ao projeto, que se tornaria lendário na história do Rock alternativo português.
De seguida, temos dois temas indispensáveis numa playlist de Ornatos, ou até de músicas portuguesas, “Chaga” e “Dia Mau”. A progressão harmónica do primeiro é magistral, tanto pela guitarra penetrante como pelo teclado perfeitamente colocado. Os violinos no crescendo, acompanhados pela voz de Cruz, conferem um misto de emoções, e apesar de a letra ser direcionada para a paixão ardente, sentimos a revolta do cantor, como se naquele momento nos representasse a todos. São três minutos de puro êxtase.
Em “Dia Mau”, a banda mais uma vez demonstra que nem todas as vezes que se sofre um desgosto amoroso se fazem canções lamechas. Não, os Ornatos pegam nesta dor metafórica e transformam-na num hino. Um hino que cantamos unidos numa mesma luta contra amores dessincronizados que nos destroem por dentro, por não haver um esforço equilibrado de ambas as partes. Oxalá nos calhasse a todos o génio de conseguir transformar dor em obras de arte. Pela letra, percebermos que a canção não é escrita na primeira pessoa, visto que o cantor se dirige a um ”rapaz” que teve um “dia mau” e notamos que há uma frustração por causa da inação de alguém, talvez do mundo em geral. É uma faixa que dá uma abanão aos inativos desta vida que precisam de acordar. Vamos concordar, “o travo amargo da solidão” pode ser bem duro. Mas tudo passa porque, afinal de contas, “é só mais um dia mau.”
Ainda agora estávamos tão embrenhados num clima de revolta e vem “Para Nunca Mais Mentir” acalmar-nos a alma, por uns breves três minutos, antes que o nosso coração agitado volte a acordar e a nossa adrenalina nos atire para o chão. É um tema mais simples, mas é também por causa destes canções mais comuns que certas faixas conseguem atingir a projeção desejada.
Depois vem a tão conhecida “Ouvi Dizer”. Ai, Ornatos. Quanta má fé é necessária para fazer os ouvintes entrar numa montanha russa de emoções, que sobe e desce, sem sabermos quando vai atingir o auge? Má fé artística, diria até “efeitos secundários da poesia”. Não importa. No fundo, gostamos deste carrossel imprevisível, que anda às voltas sem parar. Esta obra prima começa apenas com a voz de Manuel Cruz e um piano, onde fica evidente a emoção na voz do cantor, quando relata que o amor acabou subitamente. “Ouvi dizer que o nosso amor acabou, pois eu não tive a noção do seu fim”. A progressão melódica e harmónica desta faixa é completamente nova, não fosse ela um marco na história da música portuguesa.
À medida que avança, é diretamente proporcional a raiva nas palavras e o crescendo da canção. Quando chegamos ao refrão, já estamos em pleno auge da emoção, frustração e dor sentida por desejar vingança por um coração partido. O refrão tem uma pujança emotiva, enquanto também demonstra fragilidade e vulnerabilidade, quando Manuel repete “E pudesse eu pagar de outra forma” . Voltamos à quadra calma e dolorosa, onde entra Vítor Espadinha no pré-refrão, que transmite uma paz que contrasta com a voz de Cruz. A ponte da música é épica, onde os Ornatos Violeta conseguem fazer-nos sentir uma vulnerabilidade perigosa, como se nos conseguissem ler a alma. A canção termina com dois versos, dos mais repetidos e memorizados pelos jovens desta geração, que ecoam repetidamente na mente. “Para nos lembrar que o amor é uma doença, quando nele julgamos ver a nossa cura”.
Depois desta mão que nos agarrou o coração e nos cravou com as suas unhas metafóricas, temos um tema com outra participação especial, desta vez de Gordon Gano, o vocalista dos Violent Femmes. A música tem uma vibe bem mais tranquila, que nos atira para o meio do mar, a navegar com o “Capitão Romance”.
De seguida temos “Pára de Olhar Para Mim”, onde sentimos, mais uma vez, a essência dos Ornatos, pela guitarra tão característica. É uma faixa que confere coesão e simplicidade ao álbum, na medida em que a banda nos permite.
“O.M.E.M (Operação Minimização do Ego Maximizado)” é a revolta inicial do cantor, feita acapella, onde a guitarra e o baixo e tantos outros elementos cheios de Groove entram na quadra e nos mostram que os Ornatos não desiludem. A letra é um incentivo a não ficarmos parados, porque “a vida é feita para nós”. A canção é mais virada para o Rock, com a guitarra um pouco mais pesada, que é aliviada pelo piano de fundo. Manuel, neste tema em particular, fala mais do que canta, principalmente nas quadras e na ponte. Não é um falar aborrecido, apesar de tudo, confere-lhe entoação e diversidade. “O.M.E.M” é mais uma obra destes humanos meio extraterrestres, com melodias e harmonias totalmente imprevisíveis e até assustadoras.
“Deixa Morrer”, a prova que a banda faz letras que requerem uma certa análise que nos permita encontrar metáforas e sentidos escondidos. “E aparece assim, acendeu-se a luz, estão vivos outra vez”. Já sabemos que os Ornatos Violeta são poéticos, mas a letra é quase uma afronta a quem ouve, como se nos desafiasse a entender as profundezas da mente de quem a escreveu.
A penúltima faixa, “Notícias do Fundo”, mais calma, mas não menos impressionante, dá-nos a sensação que o grupo pode fazer músicas sobre amor extremamente intensas, sejam elas mais calmas ou mais aceleradas. A paixão da letra é ardente, demonstrando um desejo desesperado por aquela pessoa que nos deixa a ferver por dentro. “Sinto-te arder no meu fundo, eu vou estar sempre aqui, nada vai mudar. sinto-te entrar no meu mundo fundo”.
O último tema, “O Fim da Canção” embrulha o álbum da melhor forma. Não é demasiado intensa para nos deixar sedentos de mais, mas também não é tão aborrecida para nos deixar a desdenhá-la. Aliás, aborrecida é uma palavra que parece não existir no vocabulário deste grupo.
Inovadores, visionários, brilhantes, talentosos, e muito à frente do seu tempo, os Ornatos Violeta conseguiram perpetuar o seu cunho na música, deixando-nos um legado absurdamente bom de se ouvir. O Monstro Precisa de Amigos é, sem dúvida, dos melhores álbuns já feitos em Portugal. Aconselho vivamente que o ouçam, principalmente pela futura participação da banda em festivais de verão este ano. Nem só o que é estrangeiro é que é bom.
# ARQUIVO | O Monstro Precisa de Amigos: o monstro está muito bem assim
9/10
Álbum: O Monstro Precisa de Amigos
Banda: Ornatos Violeta
Data de Lançamento: 22 de novembro de 1999
Editora: Universal Music Portugal