Circo de Feras é o terceiro álbum do grupo português Xutos e Pontapés e o primeiro a garantir-lhes um lugar no top de vendas. Contudo, valeu-lhes imensas críticas negativas, nomeadamente, o abandonar da sua verdadeira essência, o Punk. Estes juízos de valor nunca abalaram os artistas, uma vez que, enquanto perdiam um público viciado nos ingredientes desse género, ganhavam uma legião de novos fãs.
Sendo composto apenas por nove músicas, conta, até aos dias de hoje, com mais composições eternizadas do que esquecidas. Muitos apontam a riqueza das letras, a conjugação instrumental e a grande capacidade de projeção vocal dos artistas como os principais motivos pelo sucesso destas canções. Contudo, Circo de Feras marcou pela diferença e pela denúncia do ambiente opressivo vivido na sociedade portuguesa da altura.
“Contentores” é uma referência completa à necessidade de mudança, ao abandono de tudo o que conhecemos sem nunca olhar para trás, a um distanciamento daquilo que nos é familiar em busca de algo mais. “Deixo a cidade natal / É uma escolha que se faz / O passado foi lá atrás”. Para além disso, torna-se mais enriquecida pela introdução de uma sequência eletrónica inspirada em bandas estrangeiras.
Em “Vida Malvada”, a banda mantem a mesma linha de pensamento: “É hoje que eu me faço à estrada / E um beijo pra quem fica”. Acrescentam, também, uma crítica à monotonia da vida e ao conformismo a realidades desconfortáveis que acabam por ser tidas como algo normal. Mencionam o cumprimento de horários à risca, as filas intermináveis, as doenças sazonais, e a realização de trabalho sem paragens, sequer para respirar.
Retomam a temática do conformismo com “Não Sou o Único”, quase que desculpabilizando (nunca abandonando uma crítica subtil) todos aqueles que o exercem por ser algo recorrente. “Pensas que eu sou um caso isolado / Não sou o único a olhar o céu / A ver os sonhos partirem / À espera que algo aconteça”. Contudo, Xutos e Pontapés referem uma esperança no futuro: “E quando as trevas abrirem / Vais ver, o sol brilhará”.
Apontam uma solução utópica para todos esses problemas em “N’América”, ou seja, a concretização do sonho americano. “The American Dream” corresponde ao ethos nacional dos Estados Unidos, que proclama a igualdade na criação dos homens e, sendo assim, uma distribuição igualitária do direito à vida, à liberdade, à prosperidade e à procura de realização pessoal. De facto, esta ideologia deixa qualquer um “engasgado”, sabendo que a felicidade está “mesmo ali ao lado”.
Um remédio mais realista para esses problemas surge em “Sai Pra Rua”, que apela à tomada de iniciativa e de posição. “Deixa o rebanho, pára de pastar / Esquece o conforto do lar / Tu sai pra rua”. Xutos procuram que a sociedade entenda que os seres humanos são seres sociais, embora tenham uma individualidade pessoal que lhes permite pensar por si mesmos.
Com “Circo de Feras”, que deu origem ao nome do álbum, parece surgir outra solução plausível, isto é, o simples ato de amar alguém, um sentimento que é capaz de nos fazer esquecer dos nossos próprios problemas. No entanto, muitos acreditam que esta canção não se refere a amor, mas sim à dependência de droga. “Enquanto esperava / No fundo da rua / Pensava em ti / E em que sorte era a tua / Quero-te tanto, quero-te tanto”.
“Pensão” é o único tema do projeto que não trata de assuntos com mensagens importantes a transmitir, resumindo-se a canção de engate. De qualquer forma, se quisermos ir bastante mais além daquilo que verdadeiramente é, podemos associar à necessidade de sair “Daqui para outro lado / Onde possa mexer em ti”, com a censura aplicada na demonstração pública de afetos.
Este álbum trouxe um conjunto de clássicos que acompanhou gerações e, curiosamente, ainda hoje consegue captar a atenção do público mais jovem. Por isso, independentemente de ser de 1987, deixemos o preconceito de parte e apreciemos uma das composições musicais portuguesas mais cativantes de todos os tempos.
# ARQUIVO | Circo de Feras: conformismo nunca
9/10
Álbum: Circo de Feras
Banda: Xutos e Pontapés
Data de Lançamento: 5 de fevereiro de 1987
Editora: PolyGram Portugal