O produtor Mr. Bill justifica em Apophenia o porquê de ser uma das caras emergentes da música eletrónica experimental. O novo projeto do australiano é uma montanha russa de texturas e misturas sónicas.
Proveniente da Austrália, Bill James Day, conhecido pelo seu nome artístico Mr. Bill, é um produtor e DJ já em atividade desde 2008. Entre a sua discografia iremos encontrar nove álbuns, inúmeros EPs e o seu projeto secundário Electrocado, no qual colabora com o músico australiano Ryanosaurus.
As suas peças musicais sempre se destacaram por trazerem ideias novas à música eletrónica, misturando muitas vezes influências de Psytrance, Metal, Complextro, Glitch-Hop, entre outros géneros paralelos, de uma forma incrivelmente disparatada e extrema. Este mix resulta tanto em momentos incrivelmente belos e densos como também em alguns menos conseguidos.
Precisamente devido à inacessibilidade do conteúdo e à sua região de origem, nunca conseguiu muito destaque no internacional, até ao lançamento de Settling for Mediocrity, em 2014. Desde então, as oportunidades têm-se duplicado, com Bill a começar a dar aulas de produção por vídeo e a colaborar com artistas cada vez maiores, até sendo acolhido em 2018 pela produtora mau5trap, de deadmau5, um ícone do House progressivo.
Apophenia foi lançado a 14 de dezembro, sem chamar grande atenção sobre si. O nome é emprestado do fenómeno cognitivo a partir do qual o ser humano associa padrões ou conexões em dados aleatórios. De igual forma, a linguagem sonora presente durante todo o projeto não deixa de ser tão errática e estranha como nos anteriores álbuns do australiano, sem deixar de representar um grande salto a nível de diversidade musical.
A introdução ao álbum, que adota o seu nome, inclui toda uma panóplia de sons ambientais e fontes sonoras de diferentes intensidades, identidades e timbres, numa peça de pura experimentação ambiental que consegue ser estranhamente consistente.
Faixas como “Option Paralysis” e “Ejecta” demonstram uma vertente incrivelmente aberta e dinâmica dos estrambólicos sons sintéticos que Bill utiliza para preencher as suas paletes rítmicas com sons eletrónicos minimalistas e comprimidos, mas urgentes e suaves. Isto demonstra a mestria soberana sobre a sua arquitetura e identidade sonora.
As suas influências noutros géneros verificam-se em faixas como “White People Funk” e “Zero Sum”. Incorporam os compassos percussionistas mais secos do Glitch-Hop, com melodias que retiram uma inspiração algo livre do Funk.
“Corot-7b” é a canção mais comprida do álbum, onde o australiano tenta inserir o seu estilo numa vertente de House progressivo. Contudo, acaba por ser dos momentos menos cativantes em todo o projeto, por não fugir muito à regularidade ou por não trazer algo de exótico ao projeto, quando comparada com outras faixas.
O ponto mais minimalista de Apophenia é “Ladder Anxiety”, com frequências mais pontuais no primeiro trecho da faixa que dão lugar a uma segunda parte mais interessante, mais complexa e muito mais bem conseguida. “Sisyphus” é uma peça algo divergente na sua identidade, com cortes rápidos entre momentos calmos e momentos de maior intensidade.
Estes ritmos velozes e furiosos prevalecem mais intrinsecamente em faixas como “Composite 12” e “Cryptomnesia”, ambas com tons mais pesados e ligados a géneros como Drum & Bass e Dubstep. A primeira absorve uma estrutura tão quanto genérica, dissolvendo a inicial progressão em sons que eventualmente se acabam por arrastar um pouco demais. A última apresenta-se um tanto mais exploratória, ao trocar os sons enfatuados e opressores por progressões simples e mais orgânicas.
E no tópico das partes mais naturais do projeto, iremos encontrar uma presença inédita de xilofones no início de “Jesus Christ Superstar”. Retirando o nome do musical, esta odisseia de cinco minutos conta também com órgãos elegantes que acolchoam os habituais residentes sintéticos.
“Jtrs Vibe” é também uma das faixas que acabam por ser algo engraçadas pelo ambiente do álbum em que se encontram, demonstrando perfeitamente o que esta fusão algo biónica traz de interessante ao projeto e, em geral, à sonoridade do músico. Uma peça de Jazz progressivo, inicialmente com uma palete natural realçada pela entrada de uma guitarra intensa e que nos engaja e imerge na faixa, eventualmente explode de maneira inesperada numa nuvem de sintetizadores, antes de optar pelas paisagens digitais mais introspetivas e ambientais de Mr. Bill.
Com a presença nas teclas de Patrick Leonard, um produtor e pianista americano, conhecido pela colaboração com artistas como Madonna, “Composite 4” é o momento mais formal e minucioso desta união sonora. A estrutura mais rigorosa e harmónica do piano entra quase em competição com a livre presença e variação dos mecânicos sintetizadores de Bill.
Em suma, Apophenia é o projeto mais adulto do artista, ao demonstrar toda uma maturação a nível sonoro, derivado do grande passo que a sua carreira deu nos recentes anos. As faixas são dinâmicas, intrigantes e algo rebuscadas, focando-se principalmente nesta dicotomia entre o digital e o analógico. Formam, em geral, um conjunto de peças instrumentais bastante entroncadas, que não pecam por erros passados do artista, como o excesso de inacessibilidade, barulho ou até falta de orientação.