Numa disputa entre indignações políticas e a exploração de novos terrenos musicais, os U2 deixaram-se levar pela ideia de criar um sentido cinematográfico de uma determinada localização, nomeadamente os Estados Unidos. Aquilo que se pinta é eterno pela forma que se retratam sociedades, o que torna The Joshua Tree um reflexo da exagerada esperança e tremenda desilusão que completam o ser humano.

Podemos chamar a este álbum “The Unforgettable Chill”, e inesquecível é certamente a palavra certa”, descreveu Steve Pond para a Rolling Stone na sua crítica ao álbum The Joshua Tree, dos U2. A análise ao trabalho, feita logo após o lançamento, salienta a tenacidade musical e força de vontade, evidenciando o potencial futuro de capturar massas. Assim, como a resiliente árvore que deu nome ao projeto, também a banda prevaleceu e se provou digna de tais expectativas.

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Lançado a 9 de março de 1987, o quinto álbum dos U2 introduziu sons que, até hoje, fazem parte das playlists de muitos. 30 anos depois, é considerado como um dos melhores e mais consistentes trabalhos da banda, sendo esta coletânea de 11 faixas uma obra-prima.

De acordo com o guitarrista The Edge, o projeto surgiu de uma tentativa de “seguir os blues e chegar à América”. Não querendo recriar uma visão já estabelecida da América dos anos 80, através de artistas como Bob Dylan e Bruce Springsteen, os U2 tinham apenas o objetivo de seguir o rumo da mesma. Contudo, no interior da banda, surgia uma esperança de gerar um impacto que acabasse por criar uma perspetiva própria.

Apesar de nunca lá terem estado, os irlandeses sentiram empatia para com a noção de um “sonho americano” que tinha sido desformado e tornado no completo oposto. Daqui surgem os contrastes melódicos e líricos que se observam ao longo de The Joshua Tree, onde um lado simboliza o transparecer da existência de sonhos e esperanças e o outro demonstra a sua transformação num pesadelo e na ameaça de que a liberdade não dura o quanto outrora se pensava.

Num local “Where The Streets Have No Name” começa a banda a sua viagem. Bono, para escrever a letra desta primeira faixa, inspirou-se na ideia de que é possível identificar a religião de uma pessoa através da rua em que vivem, particularmente em Belfast, capital da Irlanda do Norte. Intrínseca a esta canção também está a ideia de que, segundo o “sonho americano”, as ruas não têm nome e que todas as pessoas, independentemente do seu tipo de vida, podem alcançar o mais alto dos sonhos.

Seguindo o sentimento de esperança e da complexidade do sonho, a radiante e surpreendente religiosidade de “I Still Haven’t Found What I’m Looking For”, juntamente com o crescendo melódico e emocional de “With Or Without You”, completam a Santíssima Trindidade do quinto álbum dos irlandeses. “Bullet The Blue Sky” entra em tom de contraste, começando a transmitir a dura realidade que está inerente àquilo que é sonhar. A faixa é conhecida por estar repleta de críticas políticas, sobretudo ao governo de Ronald Reagan e à violência vivida dentro e fora dos Estados Unidos durante o seu mandato.

O tom desce quando a balada “Running To Stand Still” nos traz a história de um casal viciado em heroína que vive nos apartamentos de Ballymun, em Dublin. Até hoje não só é considerada por muitos como uma das melhores faixas do trabalho, como os prédios continuam a ser uma alusão à própria música.

A sexta faixa, “Red Hill Mining Town”, foca-se na União Nacional de Mineiros da Grã-Bretanha e nos problemas económicos e incertezas que provocaram a greve dos mineiros britânicos entre 1984 e 1985. Em “In God’s Country”, a “rosa do deserto”, ou seja, os Estados Unidos, é retratada como um local de novos começos e oportunidades. Isto pois, mesmo parecendo uma terra “infértil”, pelas palavras do baixista Adam Clayton, “podemos realmente fazer algo com uma tela branca, que é efetivamente aquilo que é o deserto”.

“Trip Through Your Wires” apresenta-se com uma harmónica tocada pelo vocalista, Bono. Esta canção marca as primeiras pegadas da banda dentro do próprio estilo de música americano, com o Country misturado com um ritmo de Blues.

A delicadeza de “One Tree Hill” chega como uma homenagem a Greg Carroll, um indígena da Nova Zelândia que os irlandeses conheceram durante a digressão do álbum anterior. Este morreu num acidente de mota, na cidade de Dublin, em 1986. Carroll e Bono eram grandes amigos, tal que o título da melodia tem a sua origem numa aventura entre os dois e mais um grupo de pessoas a um pico vulcânico com o mesmo nome, em Auckland, no ano de 1984.

A penúltima canção do trabalho, “Exit”, introduz-nos um tom pesado e leva-nos à mente de um assassino em série. A letra da mesma foi inspirada pela leitura da obra The Executioner’s Song, de Norman Mailer, e de outros trabalhos do mesmo género.

Por fim, a calmante melodia de “Mothers Of The Disappeared” baseia-se na experiência dos U2 junto de organizações e projetos humanitários. Mais uma vez, a banda usa a música para mostrar uma revolta contra os falhanços do governo norte-americano, sobretudo naquilo que toca à sua política estrangeira.

Em suma, no decorrer da narrativa deste álbum, podemos observar uma certa comparação entre o governo britânico de Margaret Tatcher e o norte-americano de Ronald Reagan. As críticas feitas a ambos continuam a ter a maior relevância e a identificar-se com a indignação que ainda se sente, três décadas depois, não só em relação à liderança deste dois países, mas também no que toca às políticas mundiais.

Assim, de uma colisão entre crescente ambição, arrogância juvenil e um alvo comercial, o resultado tornou-se algo surpreendentemente espetacular. A essência dos U2 continua bem audível, não obstante de terem sido das primeiras bandas a ter sucesso com a decisão de apostar na mistura de géneros.

A angústia monumental da voz do Bono, a condução da melodia pelo baixo de Adam Clayton e da bateria de Larry Mullen Jr., chegando finalmente às mãos de The Edge, na guitarra, fazem com que os U2 completem sempre toda e cada uma das melodias de forma sublime. The Joshua Tree é um desconcertante pedaço de um brilhante trabalho. Um álbum de Rock americano escrito por estrangeiros, algo que soa um tanto inautêntico, mas que, ao mesmo tempo, quem o ouve vê nele, provavelmente, o projeto mais americano de todos os tempos.