O tema da vacinação nem deveria ser um assunto. Deveria ser unânime que as vacinas são importantíssimas para a saúde individual e, acima de tudo, para a saúde pública, tal como a ciência já o provou por diversas vezes. No entanto, num mundo onde ainda há quem acredite que a Terra é plana, por que razão não haveria de existir gente contra as vacinas?
Esta semana, uma criança italiana foi impossibilitada de regressar à escola. Depois de ter sido diagnosticado com leucemia e depois de ter completado os tratamentos de quimioterapia, o pequeno Matteo, de oito anos, teve alta hospitalar e foi aconselhado pela equipa médica a voltar à vida normal e ao local onde uma criança com aquela idade passa metade do seu tempo.
A partir daqui, a história caminha pelos terrenos do absurdo. Ao contrário do que era de esperar, Matteo arrisca-se a não voltar à escola porque cinco dos seus colegas não são vacinados, por deliberação dos próprios pais. Devido aos tratamentos contra o cancro, Matteo tem o sistema imunitário debilitado, por isso, o risco de contrair doenças infecciosas é elevado. Ao conviver com pessoas não vacinadas, o perigo é ainda maior.
Nos Estados Unidos da América, a decisão de alguns pais em não vacinar os filhos contribuiu para a disseminação de surtos – como o sarampo – naquele país e também na Europa. Esta ação teve consequências em Portugal, com alguns pais a seguirem o mesmo paradigma contra a vacinação.
Uma das doenças evitáveis que pode causar a morte de Matteo, caso conviva com os colegas não vacinados, é precisamente o sarampo – vírus que em 2017 infeccionou 56 pessoas em Portugal, tendo uma delas morrido, e em 2018 viu o número de afetados duplicar. Estes números são alarmantes, visto que as consequências podiam ter sido evitadas ou, pelo menos, minimizadas através da vacinação.
Uma reportagem do jornal Público publicada esta semana dá conta que “quando uma vacina é introduzida no Programa Nacional de Vacinação, o número de casos da doença desce a pique”. As vacinas são, portanto, uma segurança e o repto pró-vacinação foi lançado por várias entidades e figuras preponderantes na saúde em Portugal. Contudo, os mitos à volta desta forma de prevenção de doenças foram ganhando espaço na opinião pública, com pessoas a reconhecerem a influência das vacinas na origem do autismo nas crianças.
Esta ideia foi publicada pela primeira vez em 1998. Chamo ideia porque o estudo realizado pelo médico britânico Andrew Wakefield tinha uma amostra de 12 crianças, sendo impossível extrapolar uma investigação com uma amostra tão reduzida para um universo de biliões de pessoas. Nos anos seguintes à publicação do artigo a que outrora chamaram científico, o discurso foi desmistificado, tendo sido até desmentido pela própria revista que o publicou – a The Lancet.
As críticas a este mesmo estudo foram mais longe, tendo o British Medical Journal, em 2011, acusado o médico responsável de falsificação de dados a troco de dinheiro. Em resposta às críticas, Andrew Wakefield disse estar a ser vítima dos lobbies da indústria farmacêutica. Depois da publicação de vários estudos que refutam a associação entre vacinação e autismo, Wakefield foi proibido de exercer a sua profissão.
Já o médico americano Jeffrey Bradstreet reforçou a mesma ideia. Segundo ele, o problema estava na toxicidade do mercúrio presente nas vacinas. Bradstreet chegou a criar um movimento antivacinação, mas em 2015 foi encontrado morto com um ferimento de bala no peito, suspeitando-se de suicídio.
Em Portugal, uma investigação do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de Medicina de Lisboa salienta os capitais benefícios da vacinação, afirmando que “os riscos são negligenciáveis”, não registando qualquer influência da vacinação no autismo.
Cada vez que tento perceber os argumentos contra as vacinas, lembro-me das mentes que defendem que o planeta Terra é plano, que são as mesmas que nunca conseguiram encontrar evidências daquilo que tanto pregam – seja uma fotografia ou uma viagem às bordas do “prato” onde vivemos, ou uma prova científica que testemunhe a influência das vacinas no surgimento do autismo. Mesmo assim, ainda precisamos que se invente a vacina contra os antivacinas para que casos reais como os do Matteo não passem de mera ficção.