Lançado em 1997, OK Computer é a maior obra prima dos Radiohead e um dos melhores álbuns de todos os tempos, tão marcante, revolucionário e importante como The Dark Side of the Moon, Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band ou Highway 61 Revisited. Provido da evolução natural das duas décadas que o separa desses outros marcos na história da música, este é possivelmente o último clássico do Rock.
Depois do sucesso de “Creep” e do segundo disco The Bends, o quinteto britânico ganhou força e influência suficientes para que a sua editora lhes dispensasse um orçamento considerável para a elaboração do novo projeto. Acrescido a um período de gravação sem prazo limite, que aliviou o grupo de stress extra, isto permitiu uma dedicação e preciosismo maiores do que nos trabalhos antecessores.
Perdido no limbo entre o conceitual e a coletânea de canções, a verdade é que OK Computer é muito mais que uma compilação de músicas sem qualquer ligação, visto que cada faixa assume um papel fulcral naquilo que é o produto final que temos à nossa disposição enquanto ouvintes. E, se é verdade que é difícil afirmar concretamente que há uma sequência lógica entre cada faixa, é impossível não admitir um tema predominante e a forma sublime como cada uma parece ter sido encaixada para surgir no momento ideal.
A banda identifica, distingue e aproveita da melhor forma as possibilidades de fazer cada momento sobressair, de modo a poder ser explorado em todo o seu esplendor. Através de um jogo de contrastes, de embalo, energia e melancolia, tudo nos parece disposto da melhor maneira.
Em OK Computer é, então, analisada, criticada e descrita uma sociedade dominada pelas tecnologias, pelo isolamento e pelo controlo, onde o lado humano, sensível e afetivo de cada um é visto quase como que estranho e destoado do mundo real. Isto torna a obra associável a autores como Aldous Huxley, pela caraterização distópica de uma sociedade perdida na sua própria evolução, Álvaro de Campos, no fascínio e atenção dedicados às máquinas e à tecnologia, ou George Orwell, pelo escrutínio minucioso, dedicado e preciosista de uma visão hiperbólica e futurista daquilo que o artista interpreta como sendo o início da destruição do lado humano de cada um devido à evolução louca e quase caótica da sociedade.
Apesar desta visão de certo modo política, genérica e abrangente de assuntos de cariz social, a emoção, a individualidade, a introspeção e o intimismo caraterísticos da banda não são, de modo algum, fatores mal explorados ou postos de parte neste projeto. Muito pelo contrário, a alienação e o destoar do “eu lírico” em relação ao mundo que o rodeia leva-o muitas vezes a um isolamento, solidão e dor relacionáveis a qualquer pessoa. O álbum não é, portanto, reservado a uma elite intelectual desprovida de emoção. As letras, no entanto, são de difícil compreensão e extremamente ambíguas, talvez por ser dita muita coisa em poucas palavras, na maior parte das vezes, num tom lírico e metafórico.
Incrivelmente rico a nível melódico e harmónico, o disco consegue ser absolutamente esplendoroso na criação de ambientes, muitas vezes quase cinematográficos. Conseguidos através de uma imensidão de camadas de som e de elementos completamente distintos unidos com mestria, contribuem para a dimensão dramática, apocalítica e apoteótica da música.
OK Computer é extremamente inovador na forma quase pomposa e extravagante como tanta coisa acontece em simultâneo, sem que isso prejudique a harmonia natural de cada canção. É, na verdade, um deleite poder ouvir o álbum cem vezes e conseguir ainda encontrar detalhes novos, além de conseguir entender o porquê de eles estarem ali, encontrando-lhes um propósito e uma missão.
Constantemente, por cima da malha principal que segura a música, há pormenores absolutamente deliciosos, sejam eles guitarras etéreas, ritmos eletrónicos, vozes distorcidas/robotizadas ou sons exóticos impossíveis de serem associados ao que quer que seja que já possamos ter ouvido. Podemos ainda encontrar tudo isto ao mesmo tempo, sempre perfeitamente enquadrado e dinamizado a nível de preponderância e intensidade.
Temos exemplos disso logo na primeira faixa, “Airbag”, onde por cima de um ritmo desconcertante do baixo e da bateria e dos acordes à guitarra que sustentam a voz, pairam umas guitarras aéreas acompanhadas por uma variante sonora dessas melodias, sobre uma panóplia tenebrosa de sons expressivos.
“Paranoid Android” é uma das melhores músicas Rock de todos os tempos, capaz de olhar nos olhos obras-primas como “Bohemian Rhapsody” ou “Stairway to Heaven”. Dividida em várias partes, o modo louco como é desenvolvida e a força de cada sobreposição de fraseados às guitarras abraçam a toada quase nonsense, histérica e enérgica da canção. O “God loves his children”, cantado no final, que culmina numa última explosão agressiva de adrenalina e energia, é simplesmente assustador.
Envolta num ambiente atmosférico, como se estivéssemos a flutuar no espaço, “Subterranean Homesick Alien” fala do desejo do “eu lírico” de ser levado por aliens, por se sentir sozinho e incompreendido neste mundo onde todos se fecham sobre si mesmos, fantasiando a realização desse sonho e as consequências adjacentes a isso. “I’d tell all my friends but they’d never believe me / They’d think that I’d finally lost it completely / I’d show them the stars and the meaning of life / They’d shut me away but I’d be alright”.
“Exit Music” começa por ser entoada num sussurro, cantada com algum secretismo, atendendo à temática da canção em que o personagem convence a sua amada a fugir com ele das amarras da vida social e familiar que levam, evoluindo em crescendo para a libertação ambicionada. Tendo surgido no final do filme Romeu e Julieta, é associável em termos líricos a passagens dessa clássica história de amor. O clímax da faixa é construído com mestria, sendo lenta e preciosamente adivinhável, com a linha de baixo a destoar completamente da melodia da voz, ganhando assim uma força enorme, até terminar com o silenciar de uns coros tenebrosos para apenas permanecer a guitarra acústica a acompanhar um enigmático “We hope that you choke”.
Surge depois a introdução tão bela da faixa “Let Down”, talvez a música que se desenvolve com mais naturalidade. Parecendo reconfortante, ainda que triste também, é cantado uma espécie de lamento sem esperança que chora por ter sido esmagado, que parece ser levantado do chão pela força e beleza da música tão cheia de som, em contraste com a faixa anterior.
“Karma Police” enquadra o acústico no universo sonoro de OK Computer. Balança entre o sinistro, o ameaçador e o medo, e entre o castigar e ser castigado pelo karma. Relembrando, de um modo exótico, que todos cometemos erros e que isso tem as suas consequências, mesmo quando somos nós próprios a lidar com a culpa do que possamos ter feito. A canção tem uma reviravolta muito interessante quando acaba com o famoso “For a minute there/ I lost myself”.
De seguida temos “Fitter Happier”, que assume no disco o papel de interlúdio. Uma voz robótica descreve aquilo que é o homem modelo da sociedade explorada no álbum, e o que ele tem de fazer para ser assim. Sobre um conjunto de sons eletrónicos constituintes de um ambiente propositadamente desconfortável, assustador e cinematográfico, a faixa termina com “a pig in a cage on antibiotics”.
E disto passamos para as guitarras loucas e eletrizantes de “Electioneering”, que surgem de rompante e assumem protagonismo. O ritmo frenético e alucinante deste tema é uma espécie de murro no estomâgo que nos acorda da faixa anterior.
“Climbing Up The Walls” é a música mais tenebrosa e assustadora da carreira da banda. É uma canção sobre o monstro de debaixo da cama, onde a paranoia, o pânico e o medo são perfeitamente espelhados numa instrumentalização densa e incómoda. Na parte final, o vocalista Thom Yorke solta um grito de desespero no ambiente denso e doentio desenvolvido ao longo do tema, capaz de deixar qualquer um de cabelos em pé de tão real e comprometido com o sentimento que passa para o ouvinte. “Either way you turn/ I’ll be there/ Open up your skull/ I’ll be there/ Climbing up the walls”.
Segue-se uma das canções mais bonitas do disco, “No Surprises”, em mais uma transição absolutamente brilhante. É tocada uma melodia quase infantil ao xilofone. A letra, que remete para a morte, provavelmente suicídio, é uma demonstração da impotência e apatia assoladoras e contagiosas relativamente ao valor ou falta dele que o “sujeito poético” encontra na sua vida. Ao pedir repetidamente paz e sossego, começa a abrandar o tempo do álbum, preparando-o para o fim.
“Lucky” soa bastante irónica e, ao mesmo tempo, estranhamente direta. Começando desde logo pelo nome e pelos versos “Kill me Sarah/ Kill me again/ With love/ It’s gonna be a glorious day”. Esta canção fala de um personagem que sobrevive a um acidente de avião. Parece existir uma curiosa dicotomia entre os versos e o refrão, transparente também na instrumentalização e na melodia central da faixa.
Por fim, em “The Tourist”, combatendo a paranoia e a ansiedade do disco, é-nos dito claramente “Hey man, slow down”. A canção é uma metáfora sobre abrandar para aproveitar a vida, dotada de uma beleza e pureza singulares, com solos de guitarra lindíssimos e poderosos. O final perfeito para OK Computer.
Viajando sobre uma carga enorme de variadíssimas emoções e ideias, trabalhado minuciosamente a nível de produção e super inspirado musicalmente, OK Computer é o símbolo maior da discografia da banda mais importante dos últimos 30 anos.
10/10
Álbum: OK Computer
Banda: Radiohead
Data de Lançamento: 16 de junho de 1997
Editora: XL Recordings