Confesso: é a décima terceira vez que vejo o Toy Story. E continuo sem perceber onde posso arranjar um brinquedo cujos pés possuam uma plataforma larga e isenta de rugosidades, que me permita escrever com marcador preto permanente o meu nome. Ora, estamos perante uma situação delicada… As crianças com nomes curtos e certeiros, como as Anas ou Ruis, ganham logo vantagem relativamente aos longos e pomposos Henriques ou Margaridas. Todas as crianças deveriam ter a possibilidade de experienciar uma infância digna e feliz, independentemente do comprimento do seu nome. A menos que se chamem Zulmira ou Abrão… Esses nasceram destinados à crua injustiça da vida.

toy story, 1995

A história desta obra infantil é incrível! A mixórdia de emoções inerentes à destituição do cargo de brinquedo favorito do Andy é bestialmente conseguida: a audiência cria um rascunho de afeição pelo brinquedo antigo, que é posto no baú pela sua simplicidade. Não há luzes, botões ou asas que confiram realismo às brincadeiras no quarto. A novidade redefine as aventuras de Andy, que passam do Faroeste para o Espaço com o rasgo do papel de embrulho no seu aniversário.

toy story, 1995

O argumento está recheado de tesouros metafóricos. Buzz Lightyear, o astronauta pouco funcionalmente equipado, surge inconsciente do papel de brinquedo. Buzz acredita ser um herói do espaço da Aliança Intergaláctica, estacionado na Quadrante Gamma, Setor 4 e recusa com repulsa a ideia de poder ser apenas um mero brinquedo. O mesmo acontece na sociedade atual: vivemos convencidos de que somos livres de tomar as nossas decisões ou de salvar o planeta de um exército de macacos intergalácticos quando, na verdade, não passamos de pessoas com sonhos, cuja ideia de ir para dentro de um fato espacial consta na bucket list, mesmo por cima de “atirar com a raquete de ténis na minha própria cara” e por baixo de “tomar banho com rinocerontes no Zimbabué”.

toy story, 1995

O Woddy é o cowboy versão civilizada para menores de 5 anos: sem pistola no cinto, cavalo ou bigode desleixado, não cospe no chão e desconhece a passada larga e lenta com expressividade dramática, que caracteriza todo o bom cowboy, depois de John Wayne em El Dorado. Representa a irreverência, a perspicácia e a insensatez na voz de Tom Hanks.

Desconhecia por completo a envolvência de criação e produção que sustenta esta obra cinematográfica pois, aquando dos anteriores visionamentos, não interpretei o papel de crítica, mas sim o de criança inquieta e facilmente impressionável, que queria um cavalo no Natal. Torna-se difícil absorver o facto de Toy Story ter sido o primeiro filme na história do cinema feito totalmente por computação gráfica, resultado da primeira parceria entre a Pixar e a Walt Disney, quando não sabes ler, cortar as unhas ou atar os atacadores.

toy story, 1995

Este filme marcou-me particularmente e arreliou a minha mãe vigorosamente.  Passei a desejar boa noite aos meus peluches e recusava-me a arrumar as barbies numa caixa sem ventilação, estilo viagem de finalistas, pois receava que pudessem perder a vida por asfixia ou engasgamento por madeixas loiras. Esforçava-me para que nunca andassem nuas lá por casa, para evitar que sentissem a sua privacidade violentada ou qualquer tipo de constrangimento. Procurava rodar o protagonismo de modo igualitário, não vá a Rapunzel ficar chateada com a Collete por não ter tido a oportunidade de ser atropelada pelo descapotável amarelo!

Penso que a magia deste filme, para além da própria tela, são as cores escolhidas e a dinâmica sugerida, que nos convidam a entrar e a envolver na história. É fascinante o afeto e significância atribuída a um brinquedo – um pedaço de plástico, produzido em série e distribuído por todo o mundo – que ganha a nossa voz, dá corpo à nossa imaginação e nos eleva para o infinito e mais além!