Se todos tivéssemos de escolher um exemplo do quão ilusórias podem ser as redes sociais, este seria o exemplo. Promovido com a ajuda de influencers do instagram, modelos e um site oficial, foi este festival que prometeu a milhares de pessoas uma experiência que não passava de uma mentira.

fyre festival, documentário, netflix

Fyre Festival: The Greatest Party That Never Happened capta-nos o interesse de imediato pelo título e, de seguida, leva-nos numa viagem cómica, melódica, estética e trágica, tudo em simultâneo, pelos bastidores de uma das maiores fraudes de sempre. A 12 de Dezembro de 2016, várias modelos famosas publicaram ao mesmo tempo, no Instagram, uma simples imagem de um quadrado laranja, havendo na descrição da publicação um link para o vídeo promocional e website de um festival de música “exclusivo” nas Bahamas: um evento nunca antes visto que prometia luxo e loucura, tudo nas areias de praia tropical de uma ilha particular. Horas depois das publicações, os primeiros bilhetes esgotaram.

Este é o início de uma história inédita, que nos é pormenorizadamente revelada neste documentário: a história de alojamentos de luxo que não passaram de tendas, de refeições pomposas que não passaram de sanduíches e de um festival de música sem músicos. Fyre é absolutamente brilhante na antecipação que nos cria.

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Tal como nos primeiros meses de 2017, a antecipação é criada à volta do evento. Num contraste chocante entre filmagens originais dos bastidores, do caos que dominava a equipa de produção e das belas imagens do vídeo promocional do festival, gravado na ilha, com modelos famosas, meses antes da data de abertura e das publicações no Instagram dos membros da produção. O documentário contrasta também, em frente dos nossos próprios olhos, a realidade pintada de uma maquete inventada: um festival e um mundo social, online, que não existiu por mais de umas semanas e não voltaria, definitivamente, a repetir-se.

Fyre é uma viagem ritmada que se move em torno dos vários pontos de vista. Alternando entrevistas atuais com filmagens originais da preparação do evento, a história é-nos narrada diretamente por quem a viveu e a ilusão forma-se de novo, tal como se formou nas mentes de quem carregou num link por baixo de um quadrado laranja.

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E esta viagem faz-se de vários sentimentos. Há tons de humor, arrependimento e incredulidade nas vozes de alguns dos responsáveis por este insucesso e um sentimento quase kármico na reação do público perante o falhanço do festival: a ideia geral de que as pessoas ricas têm o que merecem. Mas há, no documentário, um foco mais importante que tudo isto: a dimensão trágica e injusta de todas as pessoas, muitas nativas da ilha de Exuma, que trabalharam meses a fio e cederam acomodação local em troca de um pagamento que nunca receberam.

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Mas, mais do que na injustiça de que estas pessoas foram alvo (os trabalhadores, os que acabam, sempre, por sofrer mais neste tipo de situações), o documentário torna impossível não nos focar-mos em nós próprios. Torna evidente como, nos dias de hoje, somos capazes de comprar uma tenda a milhares de quilómetros sem nunca a termos visto, ou acreditar num espelho mágico de mentiras só porque aparece no Instagram, porque, no fundo, como também é abordado no documentário: acreditamos no que queremos que seja verdade, e todas as pessoas que organizaram, pensaram e (não) viveram aquela experiência queriam que ela fosse, mais do que tudo, verdade. Queriam estar na praia e partilhar o momento com o mundo.

Este é um documentário que se desenrola dentro daquilo de que estaríamos à espera, não nos ensina algo que já não soubéssemos, mas leva-nos mais fundo nesta narrativa (verídica) fascinante, expondo universos opostos numa dinâmica que nos cativa o interesse e revelando bastidores de uma peça que não passou de um ensaio.