"Over and Out", o primeiro álbum a solo da vocalista dos Grandfather’s House, explora um lado mais pessoal e autobiográfico da cantora.
Rita Sampaio estreia-se a solo com “Over and Out”. A vocalista dos bracarenses Grandfather’s House batizou-se como IVY para dar início ao projeto a solo. O novo álbum saiu esta quarta-feira e percorre o lado mais íntimo de Rita.
Começou como um desabafo. Rita Sampaio (ou IVY) escreveu “Over and Out” como um diário em forma de canção. Tinha coisas para dizer. Sentou-se em casa ao piano e começou a escrever os esboços das canções, que viriam a formar o primeiro álbum a solo.
Aventurou-se para o estúdio sem a “muleta” dos outros elementos dos Grandfather’s House. Mas nem por isso Rita esteve sozinha. João Figueiredo, músico bracarense dos Imploding Stars e La Resistance e responsável pelo som da Porta 253, teve um papel ativo na gravação e produção do álbum. No período de maior dúvida, quando Rita não sabia o que faltava aos temas, foi a Leiria fazer um retiro musical de uma semana na “casota” dos First Breath After Coma.
“Over and Out” saiu esta quarta-feira com o selo da Cosmic Burger. Sexta-feira, IVY apresenta-o na Zet Gallery, em Braga. A cantora passará ainda por Leiria, Lisboa e Porto.
“Over and Out” vai ser o teu primeiro trabalho a solo. Como é que surgiu?
Rita Sampaio (IVY): Surgiu muito naturalmente. Foi um processo muito natural. As músicas de IVY surgiram, há mais de um ano, porque eu tinha coisas para dizer. A estética, a nível sonoro, surgiu um bocado depois. Mas quando surgiu, descobri que tanto a nível de conteúdo das músicas, como a nível sonoro e de estética, estava a entrar num caminho que não pertencia a Grandfather’s House. Achei por bem contar a minha própria história, na maneira que eu bem entendesse, e foi assim que surgiu o projeto.
É nessa medida que dizes que as músicas do “Over and Out” são autobiográficas?
Rita: Sim, este álbum é mesmo muito autobiográfico. É um álbum muito íntimo. É quase como um diário em forma de canção. Quando tens um projeto em que não és a única pessoa a contribuir, a dar input, tanto a nível de conceito como a nível de sonoridade, o teu intuito pode não ser tão exposto a nível pessoal. É essa a minha perspetiva com Grandfather’s, porque não estou só a representar-me. Estou a representar um grupo e então achei que era uma boa oportunidade para fazer duas coisas diferentes. Com Grandfather’s também tenho muito o desafio de escrever coisas fora do meu local de conforto, enquanto este álbum foi mesmo um desabafo. Foi muito natural.
Então, sentes-te mais à vontade, é mais pessoal, neste contexto de Ivy?
Rita: Acho que não. É curioso. Confortável não é uma palavra que seja indicada, porque realmente quanto mais te expões, se calhar, mais desconfortável é para ti. É isso que eu sinto no meu caso. É uma grande exposição, estou sensível em relação a isto. Se calhar quando é algo demasiado pessoal tem essa característica de te expor mais, acho eu.
Pelo que podemos ouvir com “I Miss Myself”, o teu primeiro single, tens uma sonoridade um pouco obscura. A banda sonora da tua vida é assim obscura ou foi necessária para o contexto da letra e do tal desabafo?
Rita: (risos) É completamente obscura. A banda sonora da minha vida é muito deprimente. (risos) Mas, para além disso, não tinha propriamente coisas felizes para se dizer, por isso combinou muito bem, percebes? Sempre me identifiquei muito com essa obscuridade, essa intimidade que as músicas mais deprimentes e mais obscuras me trazem. Transportam-me para uma zona desconfortável.
O que andaste a ouvir enquanto gravaste e escreveste o “Over and Out”?
Rita: As minhas maiores influências foram, sem dúvida: Perfume Genius; Sharon Van Etten tem sido uma grande influência ao longo dos tempos, acompanho o trabalho dela desde o início; Nick Cave é indispensável, está sempre lá, tem sempre um lugar no meu coração; Sevdaliza; Sufjan Stevens estive a ouvir também; Bon Iver, mais ou menos isso.
Nos Grandfather’s House gravas acompanhada: tens o teu irmão, a Maria João e o Nuno. Como foi estar sozinha em estúdio?
Rita: Primeiro foi uma experiência incrível. Foi um sentimento de concretização incrível, porque consegui ver que sou capaz de fazer certas coisas a que nunca tinha sido posta à prova. Não tinha a muleta do meu irmão, nem de outros elementos da banda, apesar de ter tido pessoas incríveis comigo no processo de produção do álbum e de gravação, que me deixaram muito à vontade e compreenderam muito bem aquilo que eu queria transmitir. Mas realmente é uma sensação completamente diferente, porque lá está, não tinha nenhuma muleta. Estava também muito exposta. Mas foi, sem dúvida, reconfortante saber que me consegui superar.
O teu álbum foi gravado pela Cosmic Burger, aqui em Braga. Como é que aconteceu? Foste tu que falaste com eles? Foram eles que falaram contigo? E a partir também disto, o caso do João Figueiredo, ele deu-te uma mão em todo o álbum?
Rita: Ok, vou explicar mesmo do início, que é mais fácil. Quando comecei a compôr as músicas, comecei em casa com piano e voz, mesmo os esboços e esqueletos das canções, e falei com o João Figueiredo, com o Figas – é mesmo estranho chamar-lhe João Figueiredo, nós somos como irmãos. Ele também tem outros projetos, Imploding Stars e tem o Porta 253, que é um projeto de vídeo e áudio, no qual ele é responsável pelo áudio. Pronto, ele tem todo um percurso ligado à música e na altura lembro-me que falei com ele, porque ele já tinha partilhado comigo a vontade de produzir um projeto ou um álbum, e eu falei com ele e perguntei “queres-me ajudar a produzir os meus temas?” E ele: “Sim, sim bora”.
Foi um processo incrível. Eu estive em casa dele, ficava lá muitas vezes e foi assim um processo muito íntimo, porque lá está, ele é quase como se fosse meu irmão. Estivemos montes de tempo nisto, quase um ano se não estou em erro.
Mas depois cheguei a uma altura em que estava um bocadinho a entrar num sítio que não queria. Estava a começar a ficar confusa por causa dos temas, não sabia o que eles pediam. Sabia que não estavam completos. Sabia que não estavam terminados.
Então comecei a pensar em alguém para pós-produzir ou completar a produção do disco. E houve um dia, em Guimarães, em que fui a uma noite no Suave Fest. Tocavam os First Breath After Coma e eu estava à conversa com o Miguel, que é o sexto elemento da banda, como costumo dizer, só que não no palco (risos). Estava a partilhar com ele que estava a gravar as minhas músicas e ele falou-me: “Então porque não não vens até lá?” A malta (da CASOTA Collective) tem em Leiria a casota, o estúdio, gravaram o disco de SURMA, o disco deles, o disco de Lince… E eu fiquei “fogo, faz todo o sentido”, eu adoro-os, já os conheço há imenso tempo, são pessoas incríveis e pensei “porque não?”. Entrei em contacto com eles e as coisas aconteceram.
A Cosmic Burger foi a razão pela qual tudo isto aconteceu, também à parte do João, que teve um papel muito impactante nisso. Mas a Cosmic Burger acompanhou o processo desde o início. Conheci o Francisco, que é o fundador, o representante da Cosmic Burger, e falei-lhe que estava a desenvolver um projeto. Desconhecia completamente a editora, só depois é que associei que já tinham editado Imploding Stars e mostrei-lhe os temas. Ele gostou muito e a partir daí começamos numa simbiose a trabalhar juntos nisto.
Sobre a CASOTA, foste tu a Leiria para gravar com eles…
Rita: Sim, sim. Passei lá uma semana, oito dias. Eles também vivem lá na casota. É incrível. Foi uma semana só a respirar música. Inspirou-me imenso.
Passando agora um bocadinho para fora da música. Estás a estudar Estudos Culturais na Universidade do Minho. Andaste em digressão há uns meses. Como foi a relação com os professores?
Rita: Como estou coletada nas finanças como música, consegui o estatuto de trabalhadora-estudante, ou seja, tive facilidade. Caso contrário tinha reprovado por faltas, no mínimo. Faltei a mais de metade do semestre, porque estive em digressão e estive lá no estúdio em Leiria. Foi tudo no mesmo semestre. Mas é curioso, porque tenho dois, três professores que apoiam imenso e são ‘bué’ interessados e isso é muito bom mesmo.
É difícil conciliar a música com os estudos?
Rita: (risos) É assim: para já está a ser complicado. Tenho medo que complique ainda mais. Estou no primeiro ano e acho que tem tendência a piorar. Para já está a ser um bocado complicado, mas estou a conseguir gerir. Vamos ver daqui para a frente.
Voltando a IVY agora. Ao vivo vais atuar sozinha ou vais ter uma banda a atuar contigo?
Rita: Vou ter dois músicos a tocar comigo. O Francisco Carvalho, de Imploding Stars. Ele vai tocar sintetizadores e guitarra. Vou ter também o Víctor Silva, que lançou agora um EP com a Cosmic Burger como VHS, a tocar sintetizadores. E vai ser isso, vai ser um trio.
Vai ficar tudo em família da Cosmic Burger vai ser incrível.
E vais cantar e tocar sintetizadores?
Rita: Vou cantar e tocar teclado. Pianos essencialmente.
Tens até agora quatro datas anunciadas. Há mais alguma data?
Rita: Tenho algumas coisas a acontecer que ainda não foram divulgadas, mas que serão em breve, e estou muito entusiasmada para lançar este trabalho para a estrada.
O que esperas de IVY?
Rita: Tenho esta política de tentar não esperar muita coisa, sabes? Eu acho que a minha ambição e os meus objetivos são sempre trabalhar o melhor que posso. Acreditar naquilo que faço, acima de tudo. Trabalhar nesse sentido de me superar e fazer com que as pessoas se identifiquem de alguma forma comigo e com aquilo que eu faço. E tudo o resto vem por acréscimo. Não forçar muito, apenas trabalhar.
Tencionas no futuro voltar a pegar em IVY?
Rita: Isso é uma questão curiosa, porque eu própria tenho pensado nisso, sabes? Acho que é um bocadinho cedo para pensar nisso, quer dizer… é e não é. Acho que não posso relaxar e nem quero. Acho que tenho de continuar a trabalhar. Mas, lá está, já estamos a planear coisas com Grandfather’s House, mas sim vou pensar nisso com carinho.
Tens algo mais a acrescentar?
Rita: Oiçam o meu disco, malta. Quem sabe se não vão gostar, se não se vão identificar de alguma forma com ele, oiçam as letras, oiçam o que eu digo. Talvez seja relevante para vocês. Espero que sim.