Over and Out marca a estreia da bracarense Rita Sampaio (IVY) como artista a solo. A vocalista dos Grandfather’s House tem já um longo percurso no mundo da música e é, sem dúvida, uma das vozes mais distintas da atualidade. O primeiro álbum a solo explora o lado mais íntimo e pessoal da artista.
A primeira faixa dá nome ao projeto e começa com vocais suaves e absolutamente hipnotizantes. Rita Sampaio já tinha confessado ao ComUM que este álbum era uma espécie de “um diário em forma de canção”, e é exatamente isso que sentimos desde o início da música. “I’m so scared to be free, I find it hard to breathe”. Sentimos angústia e dor na voz, o que cria uma proximidade até familiar com os ouvintes, que podem facilmente rever-se nas palavras magoadas de IVY e identificá-las nos próprios sentimentos. São palavras que chegam até nós com carinho e que nos tocam no coração. A batida lenta conseguida pelo trabalho de sintetizadores e teclado contribui para a atmosfera negra que paira sobre todo o projeto. Sonicamente, a faixa lembra algumas músicas do disco Hurry Up, We’re Dreaming, dos M83.
“Afraid of Nothing” e “Same Old Dog” são talvez as músicas mais fortes do álbum. Na primeira, IVY descreve um período de vulnerabilidade e insegurança que parece não ter fim. “Every voice stuck in my head, scream all the words I wish I could say.” A batida forte capta e conduz-nos desde o início e, quando estamos completamente enfeitiçados, acaba abruptamente. No entanto, é este final repentino que reforça o poder da mensagem desta canção. Em “Same Old Dog”, Rita fala sobre encontrar-se a si mesma e encontrar um sítio para ficar. “I need to think, I need to think, I need to find me.”
As três primeiras faixas são suficientes para percebermos realmente o que Rita quis dizer quando falou num diário. Ela está sensível e está a manifestar os seus medos e inseguranças através da música, não numa espécie de grito de socorro mas em plena afirmação. Está perfeitamente ciente desses medos e inseguranças e abraça-os musicalmente.
Em “Black Matter”, o ritmo entra e parece que, por momentos, nos afastamos um pouco do estilo do álbum. A sonoridade não é tão negra como nas faixas precedentes e, neste caso, é plenamente angelical. O trabalho de som faz lembrar sinos de uma igreja e o coro que segue a voz de Rita dá o toque final numa combinação perfeitamente elegante.
O single “I Miss Myself” começa com um som aparentemente inspirado em Bon Iver, mas logo parte para algo mais negro mas extremamente cativante. Os vocais arrastados falam sobre a perda de identidade, enquanto que a batida cresce e o ritmo fica gradualmente mais forte e sombrio, até terminar com um grave pulsar de piano quase cinemático.
“Infinite Loneliness” destaca-se por ser inteiramente um monólogo. Tal como em “Same Old Dog”, IVY fala sobre não pertencer a lado nenhum (“There is not a single physical or emotional place for me”). Fala sobre a desilusão que sente pelo mundo e por ela própria, ao questionar-se onde está a beleza no mundo e lamentar que as pessoas tentam ser ou parecer o que não são.
Em “Pleasure”, a artista refere-se a alguém em particular e a um lugar que costumava ser seguro e comfortável para ela, mas que já não o é. Tal como acontece em “Black Matter”, o trabalho do som, juntamente com o coro e os vocais mais agudos, conferem a esta música um sentido especial de elegância e delicadeza.
“I Saw You Playing the Piano” é a faixa mais longa do álbum, com quase 7 minutos de duração. Começa com vocais quase sussurrados e desata num instrumental poderosíssimo e meio psicadélico. IVY explora as suas fragilidades enquanto ser humano e flutua para além dos limites do sonho. “In my dreams, my own hands are covered in dirt, my own body covered in scars.”
Outra faixa de destaque é, precisamente, a última, “8h17am”, que conta com a colaboração de Rui Gaspar, dos First Breath After Coma. Com uma sonoridade aparentemente simples e marcada por teclados suaves e efeitos de voz que criam uma absoluta sensação de calma, a canção acaba por ter um estilo muito vintage, o que a torna bastante interessante ao ouvido. As vozes dos artistas funcionam muito bem juntas, o que resulta numa química inegável entre os dois, algo que é muito importante em duetos. Esta é uma canção que fala de amor, de confiança e de sacrifício. IVY sussurra “I believe in you, you believe in me” e, de repente, parece que encontra o conforto de que precisava e que está agora um bocadinho mais segura e mais feliz. É a escolha perfeita para fechar um álbum tão emocionalmente denso como este.
Over and Out é, inquestionavelmente, um grande passo para Rita Sampaio. É diferente do que ouvimos dela em Grandfather’s House, mas igualmente fascinante. IVY transporta-nos para um mundo negro que não conhecíamos e no qual entramos quase de olhos fechados, absorvidos pela música que nos toca e pelas palavras que nos contam uma história bonita, embora triste. Não é o tipo de música para dançar e cantar em conjunto, mas é o tipo de música para fechar os olhos e deixar-nos mergulhar por todos os sons e por todas as palavras e sensações que experienciamos ao fazê-lo. Não restam dúvidas de que IVY terá um grande futuro pela frente.
9/10
Álbum: Over and Out
Artista: IVY
Data de Lançamento: 13 de março de 2019
Editora: Cosmic Burger