O veterano da indústria Mark Kozelek, que adotou o nome de Sun Kil Moon, apresenta um dos seus melhores projetos. I Also Want To Die In New Orleans conta com uma estética que domina mas que acaba por solicitar muito do ouvinte.
Fundado em 2002 e emprestando o seu nome a um boxer coreano, Sun Kil Moon é um projeto liderado pelo norte-americano Mark Kozelek. O artista conta, entre álbuns a solo, projetos da sua primeira banda Red House Painters e posteriormente material sobre o nome de Sun Kil Moon, com 27 álbuns de estúdio no seu portefólio.
O seu estilo bastante peculiar combina instrumentais melódicos e minimalistas, com influências do Jazz, Rock, Slowcore e Avant-Folk, com compridas e vastas secções de spoken word. Estes elementos conduzem vagamente narrativas e histórias dentro de cada uma das canções do projeto.
Este conceito, apesar de por vezes estar quase no limite de se tornar um audiolivro ou um podcast, acaba por dar uma tonalidade única ao seu trabalho. Resulta bem precisamente pela voz calma e envolvente do músico, que funde as suas crónicas com descrições completas dos acontecimentos. Isto permite que as faixas soem mais orgânicas e verdadeiras, criando quase uma neblina realística à volta de cada um destes extensos momentos.
I Also Want to Die in New Orleans deve o seu nome a um poster do mais recente álbum do infame duo de Hip-Hop $uicideBoy$, que Mark viu na rua, fazendo-o mudar de ideias acerca do nome do seu próprio disco. O projeto conta com apenas sete faixas ao longo de cerca de uma hora e meia, com a média por música a estar nos dez minutos.
Não é, por isso, um álbum de fácil digestão, não só pelos longos instrumentais como pela própria necessidade de se ouvir as letras do norte-americano que, por vezes, estão um bocado afogadas ou não tão evidentes na mistura. As canções incluem bastantes temáticas dentro de si e narrativas simultâneas, divagando muitas vezes sobre uma coisa não tão crucial para juntá-la mais tarde. Isto acaba por resultar em alguns momentos, mas também falha espalhafatosamente noutros.
“Coyote” é pautada por uma lenta e suave percussão, enquanto Mark nos conta sobre o arrependimento que sente por ter comprado uma casa velha no meio do nada. Explica que o principal apelo para o fazer foi a solidão e a natureza que a rodeava, ideais que são sabotados quando a floresta começa a ser destruída aos poucos e vizinhos começam a instalar-se na proximidade. Quando o mundo volta a bater-lhe à porta, contam-lhe dos horrores que se passam no exterior “da sua bolha”, desde crianças assassinadas e abandonadas, a um coiote perdido com uma jarra na cabeça que o sufocava lentamente. A situação doméstica escala ainda mais quando o artista sente um cheiro bastante forte, semelhante ao de uma doninha ou de uma fuga de gás, com a canção a intensificar à volta disso. Apesar da marcha algo melancólica da faixa, ela termina com a conclusão otimista que conseguiram salvar o coiote.
Um maior comentário social chega-nos em “Day in America”, que critica fortemente a imobilidade social perante os constantes tiroteios em escolas nos Estados Unidos da América. Kozelek apela à mudança nas leis do direito a ter armas, acusando incisamente o partido republicano de ter grande parte da culpa na perpetuação deste ciclo. Critica, também, a inércia em relação à violência destes tiroteios e o quão rapidamente se substitui o choque por indiferença e se esquecem as lições destes acontecimentos, restando apenas a perda e o sofrimento das famílias. O artista atira a sua opinião no assunto, praticamente incitando à tortura e assassínio de quem comete estes atos, seguindo isto com uma analogia entre os microfones e as armas usadas nestes massacres. Menciona que, apesar de darem voz aos artistas, também são uma ferramenta dos políticos que perpetuam estas leis e normalizam estas chacinas junto da população.
“Couch Potato” apoia-se também nesta falta de engajamento da população norte-americana em relação ao destino da sua própria nação, descrevendo o cidadão como alguém que prefere ficar sentado no seu sofá. Aqui debate-se as políticas agressivas de imigração durante a administração Obama, referindo como a administração Trump perpetua este ciclo. Também se discute o impacto das redes sociais e da internet em sabotar a democracia e a crescente divisão demográfica entre miséria e excentricidade.
A crítica à sociedade americana continua em “I’m Not Laughing At You”, que conta com alguns dos instrumentais mais excêntricos do álbum. O artista discute e partilha experiências vividas fora do país, sentindo-se algo humilhado pela visão que os outros países possuem dos Estados Unidos. Menciona o facto de gozarem com os problemas políticos e quando estereotipam Mark, tocando também numa curta mas proeminente crítica à era de informação e ao seu controlo pelas empresas norte-americanas.
Com apenas quatro minutos, “L-48” descreve a maneira como o vocalista, nos seus 52 anos, se sente numa fase estável da sua vida onde apenas a morte lhe resta, pois a sua vida deixou de ser tão interessante como a das crianças que brincam lá fora. O artista apenas deseja a morte natural ao lado da sua namorada, com o menor sofrimento possível. O principal mote da faixa é uma guitarra azul Gibson L-48, que o transporta para os tempos em que a sua vida era ainda uma aventura, numa viagem de nostalgia que o leva à primeira vez em que utilizou a guitarra, no que ele considera “um bom dia de gravações”.
Nostalgia continua a permear o álbum em “Cows”, cujo tema é precisamente estes seres bovinos que o artista associa ao seu passado e à natureza, ao inverso do moderno e tecnológico mundo novo que o engloba agora, sem o deixar admirar a natureza das coisas. Este hino algo pró-vegetarianismo continua a traçar críticas, ao ver os humanos como consumidores cíclicos destas vacas que são apenas seres amistosos dotados de sentimentos. Na reta final, resta-nos a auto-observação de que Mark está a deambular durante os últimos nove minutos sobre estes quadrúpedes, pateticamente preso em querer alterar a sua vida e o brutal consumo destes bovinos, mas inepto e incapaz de o conseguir mudar.
Com uns colossais 23 minutos, “Bay of Kotor” estende-se ao longo de várias secções diferentes, trespassando as emoções e sentimentos de Mark quando se depara com díspares situações do seu dia-a-dia, desde alimentar gatos esfomeados a viajar para outros países. Contudo, o comprimento da faixa acaba por salientar os aspetos mais javardos da música do experiente artista, aumentando ainda mais as lacunas e a falta de direção nas suas histórias, o que acaba por confundir ainda mais o ouvinte sobre a finalidade da faixa, condensando a sua neblina lírica até tudo se tornar semelhante e desinteressante.
Finalizando, embora não seja para todos, por exigir fortes demandas temporais e uma grande atenção em relação a quase tudo o que é mencionado, para além da produção ser ocasionalmente demasiado ambiciosa, o que Mark Kozelek traz para a mesa é algo definitivamente niche e único. I Also Want To Die In New Orleans é um dos melhores projetos do artista e certamente forte pela sua atualidade e naturalidade.
7/10
Álbum: I Also Want To Die In New Orleans
Artista: Sun Kil Moon
Data de Lançamento: 1 de março de 2019
Editora: Caldo Verde Records