A obra de Mark Twain foi trazida mais uma vez para o palco, numa encenação de Abel Neves carregada de humor e ironia, em sintonia com a própria peça.
Um exagero de formas nos figurinos de corpos nus, uma sala escura, uma expressividade hipnotizante nos rostos dos atores e palavras de Mark Twain com mais de cem anos de existência renasceram esta terça-feira, no Theatro Circo, sob o feitiço da Companhia de Teatro de Braga.
Foram quatro atores a dar vida a esta história, num cenário dinâmico e cheio de carisma próprio, cativante na sua vivacidade e originalidade, que prenderam o público às suas palavras, às suas expressões, aos seus movimentos, simultaneamente, tão perfeitamente conjugados e tão naturais. O público, silencioso, assistia como quem não quer perder nenhuma informação.
Esta é uma história que descreve a experiência de Adão e Eva como os dois primeiros seres humanos na Terra. Eva, uma mulher sentimental, apaixonada, curiosa e inteligente, que ama tudo à sua volta e possui um enorme interesse pela natureza, é um ser quase místico, que “todos os animais seguem”. Adão, por sua vez, tem interesse pelo que é prático, por construir abrigos e ultrapassar as dificuldades do quotidiano, sem sentir alguma ligação especial com o que o rodeia.
A peça é uma sátira dos dois sexos (que apesar de diferentes, se complementam e equilibram), mas presumivelmente devido à época em que foi escrita, não consegue fugir completamente aos estereótipos acerca da posição social da mulher face ao homem.
Mas é uma crítica ao avanço tecnológico, emergente em finais do séc. XIX, que afasta o ser humano do seu “jardim do Éden” e o faz “querer saber tudo, só para descobrir que depois estava errado,” como diz Eva, que ainda acrescenta que é no procurar, e não no já saber, que está a magia.
Assistir a esta peça é como estar dentro do próprio palco, envolvido no próprio cenário, face a face com os atores que captam a atenção e colocam a plateia totalmente à vontade, como se respirar o ar do teatro fosse a coisa mais natural do mundo. E acaba por ser. Para eles, é-o com certeza, para o público, também, pelo menos, por uma noite.