O ano mal começou e já se contam 11 mulheres mortas vítimas de violência doméstica, mais uma menina e um homem. As agressões não acontecem só às mulheres e todos sabemos disso, mas são elas as principais vítimas. Algumas perderam a vida para sempre, mas do outro lado da porta pode haver quem perca de forma lenta um pouco de vida todos os dias, agredidas por quem diz gostar delas. Amar não é nem nunca será isto.

Em Portugal, a justiça tem de ter um papel mais firme. Todos os anos, os números de queixas e de mortes causadas por agressões são assustadores. É um tema que está sempre na ordem do dia. Desde 2004, contam-se 503 mortes por homicídio conjugal. Em 2017, foram registadas pelas forças de segurança 26.713 ocorrências. Em 2018, morreram 28 mulheres. O que acontece aos agressores? Onde está a justiça quando se precisa dela? Os julgamentos dos casos de violência doméstica deviam ser mais rápidos e justos. Irónico chamar “justiça” a algo que prova ser tantas vezes injusto.

Anualmente, as participações às forças de segurança são mais de 20 mil, mas as condenações com cumprimento de pena efetiva, entre 2010 e 2017, não ultrapassaram as 723. Neste período, de acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna publicado em março do ano passado, dos 29.711 inquéritos finalizados, 20.470 foram arquivados e foi formalizada acusação em apenas 4.465. É revoltante saber que existem Netos de Moura por aí. Um homem rebentou um tímpano à mulher ao soco e o juiz retirou a pulseira eletrónica ao agressor, que permitia garantir que não se voltava a aproximar da vítima, depois de ter sido condenado a uma pena suspensa. Este é um dos casos que o envolvem.

Neto de Moura está agora impedido de julgar ocorrências de violência doméstica, mas pode ainda julgar casos de divórcio e regulação parental. Como é possível? Quem tem nas mãos a vida de pessoas deve ter a consciência e a sensibilidade para assumir estes cargos. A questão aqui não foi só o resultado do julgamento, mas tudo o resto à sua volta, incluindo a sustentação dos atos com base na religião. Cada vez que ouço este caso, soa-me ainda pior do que a última vez. Como é que a vítima vive com o agressor à solta, sabendo que pode acontecer tudo outra vez ou até pior? A isto não se chama viver. Sim, senhor juiz Neto de Moura, este é um caso “particularmente grave”.

É tempo de tornarmos o sistema mais eficaz no combate à violência doméstica. Nenhum de nós quer ter medo de andar na rua, ter medo de confiar em quem está ao nosso lado. Ninguém. Nem homem nem mulher. Há a tendência de culpar o século: “no meu tempo não era nada assim”. Era. Sempre existiu, mas nem sempre se falou. Se existe, ainda bem que se fala. Não se pode fingir que não acontece e seguir com a vida. Esse método nunca correu bem. É contranatura.

Este é um assunto que diz respeito a todos. É importante alertar, ajudar, salvar, unir. Precisamos de mostrar que, embora existam pessoas capazes de fazer mal, ainda há humanidade em tantas outras. As vítimas precisam de ser salvas. Mesmo que fosse uma mulher a furar um tímpano a um homem, a revolta deveria existir, porque somos todos pessoas. No entanto, na sociedade em que vivemos, nós, mulheres, queremos e precisamos de mostrar que temos voz, porque nem sempre isso nos é garantido. Nós não estamos a pedir superioridade. Queremos igualdade. Aquilo que todos os seres humanos têm (ou deveriam ter) direito.

No calendário, pode não estar marcado que hoje é o Dia da Mulher de forma oficial. No entanto, é dia de nos respeitarem. Como todos os dias. É dia de respeitar o ser humano, independentemente do seu género, sexo, raça, etnia. Se todos levarmos a sério esta questão, o mundo pode mudar. E é bom que mude. Para o bem da Humanidade.