O CDS decidiu antecipar-se. A um mês das eleições europeias, Assunção Cristas deu uma de Mr. Filch, em Harry Potter e o Cálice de Fogo, e disparou o canhão da corrida às legislativas um bocadinho antes do tempo. No passado dia 5 de abril, revelou ao Conselho Nacional do partido os nomes dos candidatos a deputados.

No meio de uma reformulação com muitas caras novas, destacam-se o líder da Juventude Popular, Francisco Rodrigues dos Santos, número dois no distrito do Porto, e três “independentes”: Rui Lopes da Silva, Raquel Abecasis e Sebastião Bugalho, que coincidentemente são três ex-jornalistas.

Só a decisão de Cristas de revelar os cabeças de lista e candidatos em situação elegível para o Porto e Lisboa, a seis meses das legislativas, é suficiente para se levantar uma reflexão sobre toda a máquina de poder dos centristas. Para além disso, podia juntar-se o lugar de onde os deputados vêm e o distrito pelo qual concorrem. Centristas e centralistas.

Mas focando no que venho aqui debitar. Temos três ex-jornalistas na lista do CDS. Isto levanta-nos questões muito importantes. Deve um jornalista ter uma orientação política?

Na minha opinião, sim. Óbvio.

Qualquer pessoa tende para algum dos lados do espectro. A política rege o dia-a-dia de todos e todos temos opiniões sobre o que achamos melhor para a sociedade. É muito bonito termos jornalistas que dizem “votar em branco para não influenciar a imparcialidade”. Mas vou ser sincero com isto. Jornalistas são cidadãos e têm opinião política. Não adianta tentar disfarçar ser de direita ou de esquerda. Todos temos opiniões. Se não as queremos divulgar, isso é lá connosco. Agora esconder por detrás do véu “voto em branco” para não dizer é ridículo. Ninguém tem de dar justificações a ninguém sobre em quem vota. Se quiseres, dizes. Se não, não dizes. É uma opinião pessoal.

A imparcialidade é uma coisa engraçada. “O jornalista tem de ser imparcial”. O que eu entendo ao ser imparcial é ser plural, é dar a mão ao contraditório, é confrontar ideias opostas, mesmo que sejam ideias opostas às nossas. É ouvir todos os lados e fazer perguntas complicadas, pertinentes e que incomodam tanto aos candidatos que simpatizam como aos que abominam. Nisto tenho de referir o (grande) Daniel Oliveira – não o da SIC, o que não faz chorar.

O “Perguntar não ofende” é, na minha opinião, e excluindo talvez o Fumaça, a melhor e mais interessante iniciativa jornalística do país. Todos sabemos que o Daniel é de esquerda. Não é segredo nenhum. Ainda assim, no podcast, faz ‘perguntas difíceis’ a todos os políticos, mesmo àqueles que estão na mesma onda que ele.

Mas voltando aos três amigos do CDS. Para julgar a partida de um jornalista para a política é importante avaliar os percursos destas pessoas no jornalismo e se houve ou não uma procura de puxar uma agenda que beneficiasse um dado partido.

Sebastião Bugalho é certamente o nome mais polémico dos três. Não só pela idade, como também pelo percurso curto que teve no jornalismo. Há quem se reforme do jornalismo aos 22 anos e há quem a um mês de ter 22 nem lá tenha entrado. Esta reforma, após dois anos, só por si não é nada de especial. Agora, o engraçado é analisar o que Bugalho andou a fazer nesses dois anos.

Em dois anos, os caminhos de Bugalho e do CDS cruzaram-se muitas vezes. Começando pela entrevista que fez a Francisco Rodrigues dos Santos, líder da Juventude Popular, à qual rapidamente se juntam encontros partidários, propostas, coberturas e divulgação de eventos (para não dizer propaganda, porque a propaganda é só da esquerda, não é, Bugalho?).

O percurso de Sebastião, mesmo que curtíssimo, teve demasiadas linhas cruzadas com o CDS. E, vendo agora, temos um ex-jornalista que na sua carreira fez de tudo para colocar os centristas na agenda do Sol e do i e que, só por acaso, é o número seis – um lugar elegível – por Lisboa às legislativas. Coincidência? Até pode ser.

Um jornalista pode e deve ter uma opinião política e, se achar que deve entrar na política, como assessor – algo bastante comum – ou como deputado, nada impede de fazê-lo. É uma escolha pessoal, cada qual com a sua. No entanto, usar o jornalismo para puxar uma agenda política é algo que devemos combater. E, se for para puxar uma agenda política, que o admitam nas escolhas editoriais. Sou completamente a favor da transparência, em todas as áreas de contacto com o público. Da mesma forma que acho que os partidos e listas a associações de estudantes têm de dizer quem lhes financia as campanhas, acho que os leitores têm o direito a saber que ideais orientam as escolhas editoriais de um meio de comunicação.

Agora, se um jornalista quiser dizer que é de direita ou que é de esquerda, não há problema nisso. O que não pode acontecer é um jornalista ou uma equipa editorial puxar e dar espaço privilegiado a um dos lados do espectro político e continuar a abanar a bandeira da imparcialidade.

O que parece, nesta história toda, é que deram a Bugalho uma oportunidade de entrar no mundo do jornalismo. Ele aceitou-a, usou o jornalismo para construir uma escada para subir no mundo ao qual queria realmente pertencer, a política. Foi um oportunista que usou uma profissão que se deve reger pela tal imparcialidade para puxar os seus ideais e interesses pessoais.

Palmas. Grande Bugalho. Conseguiste. Boa sorte para as eleições.