A exposição fotográfica de Miguel d’Almeida, que deixou dia 20 deste mês as paredes brancas da Livraria Centésima Página, conduz o olhar para o presente do mundo e a consciência para o futuro.
A exposição exibe um conjunto de fotografias de caráter reflexivo, um distúrbio da pausa em que se vive, como gota que cai num lago e provoca um irradiar de movimento. Nas palavras do próprio autor, Miguel D’Almeida, a universalidade é a ideia principal neste trabalho, que expõe fotografias atuais de vários locais do mundo.
“Às vezes, estando só num sítio, não nos apercebemos da perspetiva geral das coisas.” As fotografias patentes na exposição estão ligadas às experiências e aos locais que o artista atravessou, passando por Europa e África.
As viagens carregam a universalidade. Miguel d’Almeida confessa que a “consciência coletiva” é uma questão que lhe interessa bastante, por ter amigos espalhados “por aí”. Apesar de a humanidade partilhar os mesmos ancestrais e a mesma memória, ainda existe uma memória curta: “Como o diz Slavoj Žižek, nós podemos olhar para o passado e entender os sinais que nele estavam contidos do futuro que estava para vir. Podemos olhar hoje para os sinais que vêm do futuro e, tal como diz Walter Benjamin, revelar os negativos do presente como se faz com uma fotografia, e ver neles sinais do futuro.”
A ideia de vários locais e países fotografados que pertencem ao mesmo mundo cruza toda a exposição. Mas olhar para o presente desta forma pode ser alarmante e Miguel d’Almeida dá o exemplo da Palestina: “O que se vê ao olhar para a Palestina é uma comunidade enclausurada e não há um único país que a reconheça como um país, porque Israel tomou conta de grande parte do território. É um exemplo assustador desse tal futuro que parece estar contido no nosso presente.”
Para o autor, os conflitos no mundo requerem uma capacidade de análise para se poderem resolver, tal como é preciso “deixar a ideia de que as imagens valem mais que mil palavras e olhá-las, analisá-las, interpretá-las”. Para Miguel, trata-se de um “exercício mental”, porque “as coisas não falam por elas próprias, só falam quando já estamos empenhados em tentar entender”.
Em entrevista ao ComUM, Miguel d’Almeida falou ainda de assuntos ligados à sustentabilidade e à crise de migrantes. A primeira questão é iluminada pelo fotógrafo com um certo tom de esperança, “se agora começarmos a aplicar as medidas a favor da vida e não a favor da morte, podemos recuperar o que perdemos ou pelo menos proteger as espécies que já temos”.
Quanto aos refugiados, o artista apela a uma mudança de paradigma: “Como dizia Zeca Afonso, ‘seja bem-vindo quem vier por bem’. Nós precisamos de uma comunidade internacional que tenha por base os valores da vida, da biodiversidade, educação, alfabetização, partilha, comunicação.”
Estas grandes questões, segundo o fotógrafo, exigem maior compreensão e aceitação de mudança interior: “se nós queremos abordar os grandes problemas do mundo de hoje, nós temos de assumir que vamos perder a nossa identidade e que vamos mudar”.
As fotografias capturadas por Miguel d’Almeida expressam as identidades de vários países, das quais todos fazem parte, mas que nem sempre são fáceis de absorver, sendo a arte um veículo capaz de plasmar essas caraterísticas.
Abril 30, 2019
obrigada Sofia pelo belo artigo!
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