Após o lançamento de Lovely Difficult, em 2013, a cantora cabo-verdiana Mayra Andrade apresenta o novo álbum, Manga. Conta com uma sonoridade Afrobeat e de ritmos africanos, refletindo as suas raízes, conseguindo realizar uma mistura equilibrada desses géneros com o crioulo e o português.

A primeira faixa do álbum inicia-se com o som do mar, que se junta a um ritmo tipicamente africano e a um conjunto de vozes em coro. Surpreendentemente, esta mistura funciona de um modo incrível, dando mote à introdução da voz da artista. Cantada em português, “Afeto” reflete a relação entre duas pessoas que poderia ser melhorada.

sonymusic.pt/

Existem duas interpretações possíveis desta faixa, o ser direcionada para uma figura materna ou para o segundo elemento de uma relação amorosa. De qualquer das formas, a canção fala de pessoas que estão sempre presentes e das quais somos reféns, por serem incapazes de ser carinhosas. “Na corrida ao teu afeto / A medalha é sempre bronze/ Sou órfã da tua ternura”.

De acordo com a artista, este lado insensível de alguém de quem tomamos como exemplo influencia a formação da nossa personalidade. E, por isso, questiona-se: “Se soubesses abraçar / De vez em quando beijar / E aos recantos imperfeitos / com menos rigor apontar”, ou seja, se soubesses demonstrar o teu amor, “Quem seria eu?”, em que pessoa me teria tornado. Assim, é demonstrado que, independentemente de se tratar de uma relação familiar ou amorosa, existe sempre esperança para com quem amamos. “O amor foi recebido / Apesar do que tu calas”.

“Manga” é a faixa que dá nome ao álbum, cantada em crioulo. Conta, através da doce voz de Mayra, como é amar alguém e querer estar próximo da pessoa, de poder tocar-lhe e poder tomar conta dela. Para além disso, aborda o modo como juntos da pessoa que amamos nos tornamos melhores, ao podermos reinventar-nos.

Com “Pull Up”, a artista procurou criar uma música mais Pop, sendo a única canção do álbum onde podemos encontrar evidentemente algum autotune. Em oposição, em “Festa Sto Santiago”, a artista manteve-se fiel aos ritmos africanos para refletir sobre esta tradição, uma iniciativa que promove o convívio do povo e a divulgação da fé.

Apesar de não existir uma tradução exata da letra de “Vapor di Imigrason”, percebemos que trata dos sacrifícios da imigração. Ter o coração sempre apertado com medo do que possa acontecer e a saudade de rever quem partiu, acompanhados de um silêncio necessário para continuar a viver com naturalidade. Apesar do sofrimento descrito, o ritmo utilizado permanece alegre, sofre apenas uma pequena alteração comparativamente com as outras músicas, uma certa redução de velocidade.

“Plena” recorre a diferentes instrumentos como baixo, piano e uma percussão um pouco estranha ao ouvido humano. Fala-nos sobre o vazio e a solidão que nos tira a paciência, mas que não nos tira a esperança em reaver o nosso ser e os sonhos de vida. “Aconchego sem jeito a esperança”.

“Terra da Saudade”, escrita por Luísa Sobral, tem por base um romance de Mia Couto, no qual o artista reflete sobre a saudade. Esta é tida como uma expressão do que fica em nós depois de se recuperar uma memória, seja ela positiva ou negativa, mais antiga ou mais recente. De qualquer das formas, a questão que se levanta é, apesar da saudade poder provocar dor, como seria o nosso mundo se não a sentíssemos? A canção procura responder a essa questão, apontando as consequências da sua não existência, pela falta de vontade, de alegria ou de conhecimentos.

“Guardar Mais”, uma composição de Sara Tavares, aborda, com imenso carinho, o papel da “vovó Eugénia” na vida da artista. O verso “Não há dor que resista ao baloiço da vovó Eugénia” demonstra que a sua avó é a pessoa com quem Mayra privilegia desabafar e com quem se consegue libertar daquilo que de mal que se passa na sua vida.

Para quem é leigo a crioulo, “Kodé”, “Limitason”, “Segredu”, “Tan Kalakatan” e “Badia” (com letra dos Cachupa Psicadélica) são autênticos desafios de decifração. No entanto, possuem ritmos autênticos e inovadores que nos transportam para realidades completamente distintas.

Durante todo o álbum, existe uma grande dicotomia de sentimentos. Contudo, essa realidade só fica evidente partindo da lírica das músicas e não das suas sonoridades. Sendo assim, este projeto não só estimula a dança como também a algumas reflexões de vida.