Este ano é, sem sombra de dúvidas, um ano que vai mudar a história do ensino de Medicina em Portugal! O “Harrison”, um exame utilizado durante cerca de 40 anos para seriar os recém-graduados em Medicina para o acesso à especialidade, teve finalmente o seu fim anunciado. A sua substituta, a Prova Nacional de Acesso, conhecida entre os estudantes como PNA, será realizada pela primeira vez este ano. Com esta nova prova eis que surge a questão: estaremos preparados?
Nos últimos anos, enquanto estudante de Medicina, pude deparar-me com os meus colegas finalistas que estudavam para o Harrison, um exame que tinha como pedra basilar a memorização. De facto, pude ver colegas enclausurados na biblioteca a tentar decorar folhas e mais folhas, na esperança de obter uma nota alta para poderem aceder à especialidade desejada. Ultimamente, alguns deles apenas já só queriam conseguir aceder a uma especialidade, independentemente de qual fosse.
A questão que surgia a todos naquela altura era “Qual é o sentido desta prova? Qual a lógica de decorar dados epidemiológicos tão específicos que nunca iremos utilizar? Porque é que não avaliam o raciocínio clínico em vez da capacidade de memorização?”. E todas estas questões levaram à luta por uma prova mais justa, que começou bem antes de eu entrar na universidade.
Começou já há alguns anos na Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM), no qual o Núcleo de Estudantes de Medicina da Universidade do Minho (NEMUM) esteve representado e se fez sempre ouvir, desde a sua existência. Durante anos, o NEMUM questionou os alunos da Escola de Medicina (EM-UM) acerca desta temática e tentou levar a sua voz a Assembleias Gerais da ANEM, defendendo sempre os seus interesses, desde o pagamento ou não da prova até questões relacionadas com a bibliografia ou ainda ao asseguramento da realização de uma prova piloto que refletisse as reais condições da PNA. Considero, assim, que o NEMUM, através da ANEM, teve um impacto enorme na construção desta nova prova.
E o que muda? Bem, este novo modelo de prova privilegia o raciocínio clínico dos estudantes em vez da capacidade de memorização. Através de casos clínicos, o recém-graduado tem de possuir a capacidade de escrutinar a vinheta clínica apresentada, perceber cada paciente e a partir daí escolher a opção correta relativamente ao mecanismo daquela patologia, a sua terapêutica, atitudes preventivas ou, ainda, gestão do paciente. Até então, a única bibliografia recomendada era o Harrison principles of internal medicine, um livro de Medicina Interna.
Esta nova prova passa a abordar outras especialidades, tais como Cuidados de Saúde Primários, Cirurgia, Pediatria, Ginecologia/Obstetrícia e Psiquiatria, possuindo agora uma bibliografia que abrange todas estas áreas. Apesar de um pouco assustadora, a abordagem destas especialidades levará a uma avaliação mais abrangente e completa, um factor que poderá aumentar a qualidade médica em Portugal. Este modelo de ensino por casos clínicos sempre foi estimulado por parte da EM-UM. O raciocínio clínico, a aprendizagem via casos clínicos, são a base de ensino desta Escola Médica, o que marca pela diferença em relação às universidades ditas clássicas.
Após tudo isto, eis que surge a questão: estaremos preparados? Será que iremos conseguir mudar de um paradigma de memorizar, tão enraizado nos estudantes de medicina em Portugal, para um raciocínio clínico exigente? Estarão os recém-graduados preparados para a realização desta nova prova? Será que a matriz da bibliografia recomendada corresponde ao que é pretendido que um estudante de medicina saiba? Ainda, será que a bibliografia recomendada irá espelhar o que é questionado na prova? Mais importante, será que os candidatos se sentem mais confortáveis neste método?
Pois bem, resta-nos esperar para ver como corre a estreia da PNA e conseguir responder a estas questões que andam no ar e que tanto preocupam os nossos estudantes!