Ouvir Acabou Chorare é quase como embarcar numa viagem pela cultura brasileira e os seus ritmos populares. Lançado em 1972, o segundo álbum dos Novos Baianos é, incontestavelmente, um dos discos mais “Brasileiros” de sempre, e listado por muitos como o melhor.
Neste disco, é possível ouvir claramente os traços de Samba, muito por influência de João Gilberto, que foi uma espécie de mentor para o grupo naquela época. Diferente do projeto anterior, que tinha como estilo principal o Rock dos anos 70, Acabou Chorare é resultado de uma mistura de géneros como o Samba, Bossa Nova e até Baião que, aliados à guitarra de Pepeu Gomes, produzem um som que é impossível de deixar os ouvintes indiferentes.
A primeira faixa, “Brasil Pandeiro”, é uma exaltação ao Samba e ao povo brasileiro, composta por Assis Valente. A proposta de gravação da canção foi uma sugestão de João Gilberto, que lhes abriu portas para começarem a incorporar elementos como o pandeiro e o cavaquinho. Na composição, Valente escolhe o instrumento “pandeiro” como adjetivo do país e convida os brasileiros a reconhecerem os seus próprios valores, como podemos ouvir no inicio: “Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor/Eu fui à Penha e pedi à padroeira para me ajudar/Salve o Morro do Vintém, pendura a saia que eu quero ver”.
Para além disso, faz ainda uma referência ao sucesso da música brasileira em território norte-americano, como em “O tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada”. O refrão é cantado em tom de festa e evocado em forma de oração: “Brasil, esquentai vossos pandeiros/Iluminai os terreiros/Que nós queremos sambar”, elevando outra vez a batucada ao nível de património cultural.
“Preta Pretinha” é o maior sucesso comercial do grupo, que aparece duas vezes no álbum, a versão original de 6:40 e uma segunda versão de 3:25, pois a gravadora estava preocupada com a duração de quase sete minutos da primeira, que poderia ser rejeitada pelas rádios. A faixa, composta por Luiz Galvão, é inspirada no seu encontro com uma jovem que conheceu em Niterói. Segundo o próprio, este combinara apanhar a barca com ela, para conhecer o seu pai. Assim se sucedeu mas, na viagem de volta, a jovem arrependeu-se e decidiu voltar para o seu namorado. A melodia simples e uma letra de fácil compreensão, aliados a um bandolim bem caricato tocado por Pepeu Gomes, tornou-a num hino representativo de vários casos amorosos para os apaixonados do Brasil.
Mais para a frente, os músicos homenageiam um dos principais movimentos populares do Brasil: o carnaval da Bahia. Em “Swing de Campo Grande”, a letra invoca o Largo do Campo Grande, um dos locais mais tradicionais das festividades do povo baiano, que estourou nos anos 50 e passou a fazer parte da cultura do local. É esse espirito que acompanha os integrantes a todo o lado que vão como os próprios cantam: “Por isso onde quer que/Eu ande em qualquer pedaço/Eu faço/Um campo grande”. Esta metáfora pode ser refletida num sentido mais amplo da vida de cada um, querendo dizer que quem faz o lugar onde estamos somos nós próprios.
“Mistério do Planeta” produz em nós, ouvintes, uma reflexão quase automática sobre a nossa existência como seres humanos, a partir das experiências e pensamentos que nos são relatados. Com certeza a mais filosófica do disco, é feita uma metáfora com a terceira lei de Newton (lei da ação-reação), usando-a para descrever outro momento do quotidiano, os encontros na vida: “E pela lei natural dos encontros/Eu deixo e recebo um tanto”. Com o excerto “O tríplice mistério do “stop”/Que eu passo por e sendo ele” os autores referem-se às três fases da vida: nascer, crescer e morrer. O solo de Pepeu Gomes é bem memorável, tratando-se de uma canção representativa do estilo MPB (Música Popular Brasileira), assim como a que a precede.
“A Menina Dança” é a sétima canção do albúm e foi escrita especialmente para Baby Consuelo a cantar. É mais um exemplo da versatilidade dos Novos Baianos, e também uma memorável canção cantada, até hoje, pelo povo brasileiro.
Não podia deixar de mencionar a única faixa instrumental do disco “Um Bilhete Pra Didi”. Como fiel admirador de ritmos do interior do nordeste brasileiro, quero destacar o som único produzido pelo cavaquinho e triângulos juntos, que poderia ser classificado como um Baião. A faixa vai transformando-se aos poucos, tornando-se numa espécie de Rock progressivo mas mantendo o mesmo ritmo.
Naquela época, anos 70, a banda foi claramente influenciada pela contracultura e todo o movimento hippie, e assim levaram uma vida de “sexo, drogas e Rock’n Roll”. Mas reduzir Os Novos Baianos a esta expressão é no mínimo ofensivo. Em plena ditadura militar, e muitas vezes tendo que se esconder e isolar, o grupo lança uma obra de resistência cultural, revelando canções históricas que, até hoje, são cantadas e lembradas. Pioneiros na mistura de elementos da música moderna, com elementos da música popular Brasileira, eles influenciaram grandes cantores e discos que surgiram depois, e produziram um dos maiores discos da história.
10/10
Álbum: Acabou Chorare
Grupo: Novos Baianos
Ano de lançamento: 1972
Editora: Som Livre