A professa catedrática esteve durante seis anos à frente do ICS. Apesar das dificuldades, mostra-se satisfeita pelo trabalho que tem sido feito pelo instituto.

Depois de ter cumprido o limite de mandatos, Helena Sousa deixou o cargo de presidente do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho. Recentemente substituída por Helena Machado, numa cerimónia que aconteceu na semana passada, a professora catedrática do Departamento de Ciências da Comunicação não esconde os problemas pelos quais a escola tem passado nos últimos tempos, mas considera que os tem sabido ultrapassar com “muito esforço”.

Em entrevista ao ComUM, lamenta a falta de verbas disponibilizadas pela reitoria, que tem como origem o “subfinanciamento” do Ensino Superior, e explica a forma como isso afeta as unidades orgânicas da UMinho. Helena Sousa aborda também o atraso na edificação do Centro de Multimédia, um projeto com mais de uma década e que está previsto estar concluído em 2021, e salienta a importância da remodelação do Departamento de Geografia, em Azurém.

Apesar de todas as adversidades, ao longo dos seis anos em que esteve na presidência, enaltece a forma como o ICS conseguiu “restruturar a oferta formativa” e “aumentar a captação de fundos para a investigação”.

 

ComUM: A Helena Sousa deixou o cargo de presidente do Instituto de Ciências Sociais perto do fim do ano letivo. Qual é o estado da escola neste momento?

Helena Sousa: Relativamente às seis licenciaturas, elas estão a funcionar bem. Aquilo que gostava de destacar, neste momento de balanço, é a entrada em funcionamento da licenciatura em Proteção Civil e Gestão do Território, que era uma ambição que tínhamos e que estava pronta e aprovada pela agência de acreditação A3ES há bastante tempo. É uma licenciatura em parceria com a Escola de Engenharia, o que é muito interessante e inovador no quadro nacional e até internacional.

Ela está a funcionar com 20 alunos este ano e temos a expetativa que no próximo possa funcionar já com 30 no primeiro ano. E o que posso dizer pelas conversas que tenho tido com o diretor dessa licenciatura, o professor Bento Gonçalves, é que as coisas estão a correr bem, os alunos estão bastante entusiasmados e muito empenhados no projeto. Cerca de metade da turma tem muita maturidade porque são pessoas que vêm do mundo profissional e já têm experiência na área, o que cria também uma dinâmica feliz, uma boa dinâmica na turma.

Relativamente aos mestrados, as coisas correm bem. Todos os projetos de ensino têm os seus delgados, que têm a responsabilidade na gestão dos projetos e têm as suas comissões de curso. Não estou a dizer que não há dificuldades. Faz parte da vida. Mas as questões são resolvidas no espaço próprio. Aquilo que é novidade é o facto de termos aprovado o mestrado em Comunicação de Ciência, que contamos que possa abrir já no próximo ano. Esse mestrado conta também com a colaboração da Escola de Ciências e julgo que é um projeto muito interessante e ajudará a transversalizar o conhecimento cientifico, a ultrapassar os muros da universidade e a fazer com que a divulgação de científica e a comunicação de ciência tenha outra capacidade de chegar à sociedade.

Temos também outro mestrado previsto. Não podemos garantir que abra no próximo ano, mas está submetida à agência de acreditação, a A3ES, que é o mestrado em Turismo, em parceria com a UTAD – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Esse mestrado está enquadrado na UNorte, neste consórcio mais amplo, que envolve a Universidade do Minho, a Universidade do Porto e a UTAD, mas este projeto em particular é feito ‘a meias’ com a UTAD. O projeto correu muito bem e estou muito confiante de que conseguiremos em breve pô-lo a funcionar porque me parece que é importante e que dá repostas a necessidades concretas na área do turismo. É uma área que está a crescer e vai precisar de recursos humanos bem formados e treinados.

Por fim, ainda no quadro do balanço dos nossos projetos pedagógicos, no ICS temos um doutoramento que vai ser descontinuado, que é o doutoramento em Estudos da Comunicação, Tecnologia, Cultura e Sociedade. Era um projeto financiado pela FCT. O financiamento terminou. Portanto, são projetos com duração previamente acordada. É claro que os alunos que estavam a fazer esse doutoramento continuam, mas não estão a entrar alunos novos.

O balanço é muito positivo: temos projeto de ensino muito ricos, a escolha é diversa e os alunos podem optar por várias ciências sociais críticas e também com uma dimensão muito pragmática e muito operativa porque os projetos têm todos esta dupla vertente: uma dimensão mais teórica, mais explicativa, mas também uma dimensão de performance, de capacitação para a ação.

ComUM: Em relação ao mestrado em Turismo, o ICS já sabe quando vai ter uma resposta?

Helena Sousa: Esse mestrado está a ser analisado pela A3ES. Já existe júri, ou seja, o painel já foi designado, o que significa que a resposta não deve tardar. Estou absolutamente convencida que a resposta será positiva porque é um projeto que está muito bem montado. É um projeto muito denso, com grande complexidade, com muitos recursos humanos dentro do ICS e de várias escolas na UTAD. É um projeto que me parece que está muito bem estruturado.

ComUM: Pode avançar já no próximo ano?

Helena Sousa: Depende do momento da resposta. Quando tivermos a resposta, pode ou não avançar no próximo ano letivo. Quanto ao mestrado em Comunicação de Ciência, já tem condições para avançar no próximo ano letivo. Esse sabemos que avançará.

ComUM: A Helena Sousa foi presidente do ICS durante dois mandatos. Tendo em conta a sua experiência, que balanço fez do período que passou à frente da escola e que desafios perspetiva para o futuro?

Helena Sousa: Acho que conseguimos muita coisa ao longo destes seis anos. Conseguimos restruturar a nossa oferta formativa, conseguimos restruturar os centros de investigação – temos neste momento cinco. Demos uma grande volta à nossa investigação e aos centros. Conseguimos aumentar muito a captação de fundos financeiros para a investigação. Isso é muito importante porque conseguimos também aumentar o número de pessoas que produzem ciência nesta aérea. O ensino, a investigação e a relação com a sociedade também se aprofundaram muito. Temos um conjunto de personalidades externas que nos ajudam a fazer esse trabalho. Estamos em diálogo constante com entidades municipais, com associações, com ONG’s, portanto, temos muitos projetos de investigação com entidades externas. Desse ponto de vista julgo que demos passos muito relevantes.

Algumas das nossas preocupações foram resolvidas; não todas. A questão das instalações do Departamento de Geografia, que era um problema antigo grave e antigo, foi finalmente resolvido. O departamento funcionava em instalações provisórias desde o início, há mais de 20 anos, em Azurém, e agora está a funcionar na nave central em condições dignas. Isso foi, de facto, importante.

Não conseguimos ainda, mas temos expetativa que que comece a funcionar em breve o Centro de Multimédia, que é da maior importância. Como é evidente, quem vem tem que renovar essa esperança e essa energia, criando novas possibilidades. Aquilo que continuarei a lutar nos órgãos – irei manter-me no conselho do instituto, que é o órgão de gestão estratégico, portanto, continuo a ter um papel na escola e quero assumir essa responsabilidade – é aprofundar o caminho que temos feito na área da internacionalização, ao nível tanto da investigação como da captação de alunos internacionais. Fizemos também um trabalho importante.

Temos hoje, ao nível do terceiro ciclo, uma quantidade muito significativa de alunos estrangeiros. Ao nível do mestrado, também começa a haver essa diversificação de nacionalidades, o que é importante. Há menos ao nível do primeiro ciclo, mas também há alunos internacionais. Depois, entendo que é preciso explorar novos modos de relacionamento com a sociedade civil, no sentido mais amplo. Estou convencida que o mestrado em Comunicação de Ciência também será uma oportunidade para fazer esse aprofundamento, mesmo com algumas instituições com as quais trabalhamos. Julgo que podemos aprofundar essa relação.

Mas também penso que não podemos deixar de modo nenhum de continuar a bater-nos junto da reitoria por uma aceleração do processo de construção do Centro de Multimédia porque ele é vital para o Instituto de Ciências Sociais, para as Ciências da Comunicação e para a universidade no seu todo porque a importância do audiovisual e da multimédia hoje tem que ser reconhecida transversalmente. Não é apenas algo que diga respeito ao ICS ou à comunicação. Todas as escolas, todos os serviços da universidade, todas as estruturas têm de compreender a linguagem do audiovisual. Se virmos o modo como as novas gerações interagem do ponto de vista da comunicação, acho que é absolutamente óbvio a importância da comunicação audiovisual e multimédia.

ComUM: O projeto do Centro de Multimédia já é pedido há vários anos. Como está o processo?

Helena Sousa: É um projeto muito antigo, que sofreu alterações ao longo das várias reitorias, modos distintos de olhar para o projeto, mas neste momento está feito, está acabado. Portanto, trata-se de abrir o concurso. Já no último mandato do professor António Cunha o projeto ficou completamente terminado e foi entregue ao Conselho de Gestão, onde ainda está. Agora aguardamos autorização para avançar. A informação que que temos tido por parte do senhor reitor é que avançará muito em breve. Isso foi-nos dito uma vez mais no Dia do ICS e tem sido dito em conversas pessoais. Nada nos leva a querer que não será cumprida a palavra. Temos de acreditar.

Desde que esteja versão foi concluída já passou mais de um ano. Agora resta saber porque não avança, o que está a atrasar o processo. O projeto é muito importante para a universidade no seu todo. Não é só importante para nós. Esse aspeto tem de ser compreendido. Claro que o senhor reitor tem as suas urgências, mas as prioridades têm que ser também claras. Tem que haver prioridades e elas têm de ser assumidas.

ComUM: Ao nível da Universidade do Minho, que tipo de apoio financeiro o ICS tem tido? Considera suficiente?

Helena Sousa: O ICS, para o seu funcionamento regular, tem que conseguir recursos. Portanto, não temos recursos do Orçamento do Estado para o funcionamento regular. É a reitoria que paga aos funcionários e aos professores. Para além disso, cada escola tem que encontrar os seus recursos para funcionar. Por isso, é tão importante para nós ter projetos de investigação, termos ações de formação, que são remuneradas, e termos alunos de pós-graduação. O ICS depende, em parte não substantiva, dos doutoramentos. Os doutoramentos são da maior importância para o nosso funcionamento, para o nosso dia-a-dia. Nós não temos dinheiro para funcionar, no sentido em que não é entregue um bolo, portanto, são as escolas – o ICS não difere das outras – que têm que encontrar as suas fontes de rendimento para poder funcionar. Não é o meu modelo preferido, mas é o que temos.

ComUM: Sempre foi assim?

Helena Sousa: É assim há alguns anos, mas já foi diferente no passado. Lembro-me de estar no Conselho de Cursos – não havia ainda o Conselho Pedagógico –, na altura do professor Licínio Pereira, enquanto reitor, e havia uma parte do Orçamento do Estado que ia para as escolas e tinha significado. Permitia dividir esse montante pelos departamentos, sendo que era distribuído pelos projetos de ensino. Agora as coisas não são assim. Temos que encontrar recursos, temos conseguido fazê-lo, mas é com muito esforço. É duro.

ComUM: O ComUM tem a informação que desde junho até dezembro de 2018 a Universidade do Minho teve as contas bloqueadas por ordem do administrador Carlos Menezes, no sentido em que afetava as unidades orgânicas. Até que ponto esta situação aconteceu e ainda acontece? De que modo pode afetar o ICS, sendo uma unidade orgânica?

Helena Sousa: Afeta sempre. De facto, houve um tempo significativo durante o qual, na prática, não pudemos executar verba. As razões não me competem a mim estar a explicar. São perguntas mais do que legítimas que devem ser feitas ao senhor administrador, ao senhor reitor. É importante que a academia compreenda o que se passou e o que se está a passar. É claro que não é fácil para uma escola viver durante meio ano sem executar verbas. Não é fácil. Temos conseguido, apesar de tudo, mas não é nada que se recomende.

ComUM: Que serviços, mais concretamente, é que são afetados?

Helena Sousa: Afeta tudo, incluindo o pagamento de despesas que já foram feitas. Portanto, não afeta só a nos. Afeta também as pessoas que estão à espera de pagamento, afeta as empresas com as quais temos uma relação. Isto afeta o ICS e as pessoas e as entidades com as quais interagimos.

ComUM: E ao nível de salários de professores e de funcionários?

Helena Sousa: Não afeta os salários dos professores porque isso é pago diretamente pela reitoria. Se nós tivermos prestações de serviços, aí sim, isso afeta. Na prática, as pessoas que estão a trabalhar e que têm expetativa de receber num determinado momento, se calhar vão receber no ano seguinte. Não é aquilo que se deseja nem que se espera porque as pessoas têm de pagar as suas contas.

ComUM: Que pessoas?

Helena Sousa: As escolas, por vezes, têm pessoas que prestam determinados serviços, que não se enquadram naquilo que a reitoria paga. Imagine-se uma situação concreta em que precisamos de tarefas adicionais ou de colmatar situações concretas, de pessoas que por qualquer razão não estão presentes, por exemplo, por causa da maternidade. Se o ICS tiver recursos, pode fazer pagamentos, pode fazer aquisições de serviços. Não se trata de contratar uma pessoa de modo permanente. Se, na prática, essa pessoa não tiver condições para receber, isso afeta. O simples facto do ICS ter conseguido determinados recursos não significa necessariamente que pode gastar esses recursos. Isso, de facto, acontece.

ComUM: Se o ICS angariar alguns recursos, tem que esperar pelo aval da reitoria para os utilizar? Nunca funciona de forma independentemente, nesse sentido?

Helena Sousa: Exatamente. Portanto, o ICS faz parte de um todo – a Universidade do Minho só tem um número fiscal. Tem que cumprir determinadas regras orçamentais, a chamada regra do equilíbrio financeiro. Ou seja, se se estiver a gastar a mais num lado, não se pode gastar no outro. O Conselho de Gestão tem de procurar gerir esta máquina que tem complexidade. Não estou, de modo nenhum, a sugerir que há algum interesse da parte de quem gere em não deixar as escolas gastar ou executar. Certamente há razões, mas essas razões podem e devem ser explicadas.

É claro que o problema de fundo é o problema de subfinanciamento do Ensino Superior. Portanto, a verba que é transferida do Orçamento do Estado para as universidades, para a Universidade do Minho, no caso concreto, chega para apenas 70% dos salários. Ora, a própria Universidade do Minho – e aí estamos a falar de todas as escolas – tem de conseguir dinheiro para financiar os 30% para os salários que sobram e depois ainda tem que arranjar dinheiro para funcionar. Não é preciso ser um génio para perceber que isto não é fácil. E a situação não tem vindo a melhorar. Têm passado os anos e os constrangimentos orçamentais têm sofrido um agravamento.

Há meia dúzia de anos, a verba que era transferida para os salários correspondia a 80%, agora a 70% e, se nada for feito, pode ser pior. De facto, estamos num quadro, sendo uma universidade pública, em que metade do dinheiro do seu orçamento é dinheiro competitivo, conseguido pelas escolas, pela investigação, pelos programas de pós-graduação. Os alunos de 1º ciclo pagam a propina, tem significado, mas essa fica toda na reitoria e o resto tem de ser conseguido competitivamente. Temos que conseguir financiamento através da investigação, conseguindo alunos de 2º e 3º ciclos que queiram ser formados por nós. Portanto, é um combate diário. É um trabalho muito exigente.

ComUM: Está a ser feita alguma coisa por parte das escolas para tentar contrariar a situação?

Helena Sousa: Existe um órgão que agrega o seu reitor e os vários presidentes das escolas. Como deve imaginar, este assunto é sempre assunto. A minha posição nesse órgão é que o problema não se resolve apenas com o esforço das escolas, no sentido de conseguirem mais verbas. Nós podemos e devemos fazer esse esforço. Estamos a fazê-lo e estou certo que as outras escolas também fazem, com capacidade muito diferente de captação de fundos. Não têm nem pode ter a mesma capacidade porque também não fazem a mesma coisa.

Entendo que este problema não se resolve apenas através da capacidade das escolas se financiarem. Acho que uma universidade pública deve ter outra atenção por parte das autoridades. Acho que o CRUP – Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas tem que ter um papel que não tem tido. Não pode estar onde está. Acho que tem de ter uma voz, que não tem e que se exige junto do governo, dos grupos parlamentares e junto da própria sociedade civil.

 

Nota: O ComUM tentou contactar diversas vezes a reitoria da Universidade do Minho e o administrador Carlos Menezes, mas nunca obteve resposta.