Manel Cruz conta com mais de 20 anos de carreira e aventurou-se este ano num álbum a solo, sem conceitos nem maquilhagens. A solo de verdade, mas não sozinho, o artista presenteia-nos com um projeto que soa, mas que só soa, a simples. As letras em Vida Nova revelam o artista como até agora nunca tinha sido revelado: Manel Cruz emoldurado por cordas e pouco mais. Acústico e sujeito a erros, como todos nós.
“Como Um Bom Filho do Vento” marca o início do álbum. Melancólica, a letra revela a verdadeira intenção do artista com o disco: anda a ver se se inventa. Anda à procura e à espera de algo. A seguir no alinhamento temos “Anjo Incrível” e “Caso Arrumado”, mais ritmadas.
“Ainda Não Acabei” é a quarta faixa. Segue o ritmo das anteriores e chama a atenção pelo uso de expressões como “lamber pés de putas” e “lutar contra a merda”. Não sendo estas o foco de atenção da canção, fazem com que se preste mais atenção à mensagem em si: é uma espécie de grito. Apesar da dificuldade no processo criativo, o artista continua a criar, a música continua a ser parte dele – e que continue por muito tempo.
“Céu Aqui” quebra o ritmo. Surge como uma balada tranquila e doce, a contrastar com a anterior. “Libelinha” surge também neste registo, apesar de ser mais agitada e de ter um instrumental mais difícil de desvendar, sendo, por isso, a que talvez se afaste mais do registo acústico presente nas restantes canções.
“Cães e Ossos” inicia-se com uma questão de crença religiosa e, tal como “Libelinha”, afasta-se também do registo simples e acústico presente no restante album. “Beija-Flôr”, contudo, volta a surgir como uma balada. Algo sonoramente mais simples mas com letra pensada e sentida. “Invenção da Tarde”, a nona faixa, fala de como as decisões da vida adulta são influenciadas pelas nossas experiências passadas, especialmente a fase da infância.
“O Navio Dela” toma forma de uma canção feminista, porém parece sempre ser algo mais do que isso. Fala da autonomia de algo e não propriamente de alguém. A menos que a mãe dos filhos de Manel Cruz tenha, efetivamente, um navio – e nesse caso a teoria vai por água abaixo – parece ser sobre algo mais metafísico ou abstrato. E é por isso que esta faixa em particular fica no ouvido.
As últimas duas canções surgem quase que em lógica de pergunta e resposta. “Onde Estou Eu” é suave e melancólica, e “Vida Nova”, a canção que dá nome ao álbum, é refrescante e feliz. Enquanto a primeira nos mostra um lado mais de reflexão e introspeção, a seguinte diz-nos que “são as vidas a ferver e então tens a tua para viver”.
A predominância de sons acústicos, mesmo que ouvido em formato digital, faz com que o álbum ganhe um carater íntimo e de proximidade com o artista que, de outra forma, seria difícil de obter. Esta intimidade é conseguida também através das letras que são expressões de um alguém que anda à procura de si mesmo enquanto artista. Com os pés na terra mas sem medo do que implica lançar-se realmente a um público, Cruz surpreende com Vida Nova que, sem intenções de se tornar conceptual, se tornou. O alinhamento parece ser quase o processo pelo qual o artista passou para a criação deste projeto.
Álbum: Vida Nova
Artista: Manel Cruz
Data de lançamento: 5 de abril de 2019
Editora: Turbina