A 32.ª edição dos Festivais Gil Vicente vai contar com a participação de novos criadores, mas também vai destacar os “clássicos reinterpretados”.

A festa do teatro de Guimarães começou no fim de semana passado e promete três semanas de imersão no mundo teatral no Centro Cultural de Vila Flor. A iniciativa abrange atividades não só para os apreciadores de teatro, mas também para o convívio e aprendizagem dos atores.

Rui Torrinha, diretor artístico dos Festivais Gil Vicente, explica que o festival “investe muito na criação, desafia os criadores a conceber algo novo e a continuar o legado do teatro em Portugal”. A criação de novas dramaturgias é uma área que tem recursos escassos e vê nos festivais uma oportunidade de desenvolver novos projetos. São, por isso, um momento importante de “mostra do que é a força do teatro em Portugal”.

O evento adota duas formas de se apresentar “por um lado as novas dramaturgias, mas também a questão da importância dos textos clássicos reinterpretados”. Para além das peças, este ano, “os festivais acabaram por alargar um pouco mais o seu âmbito e tornaram-se um ecossistema mais completo”. A direção artística dos Festivais de Gil Vicente apostou não só nos espetáculos, mas também no plano da formação, “que é uma forma de fixar o conhecimento no território, e dessa forma, articular a parte do amador, académica e também profissional”.

Rui Torrinha realça que nesta 32.ª edição dos festivais, a direção quis, especialmente, intensificar a coerência da “pluralidade do teatro e a questão dos festivais”. Ou seja, o nome Festivais Gil Vicente advém desta correlação de que o teatro é um conjunto e não um singular. Uma união “em três diferentes domínios: amador, profissional e teatro para a infância”.

Margarida Alves/ComUM

Antes do teatro profissional vai poder-se assistir a peças realizadas pelas companhias de teatro amador da zona de Guimarães. No dia 7 de junho será a estreia absoluta da peça “Enseada” de Miguel Castro Caldas. Em entrevista ao ComUM, o criador e os atores de “Enseada” explicam a importância do processo no teatro e o desafio que está a ser criar uma peça que não se baseie num conflito, numa realidade onde não há rutura da felicidade e esta se torna apenas um pano de fundo para uma rotina.

Segundo a sinopse apresentada pelo programa dos Festivais Gil Vicente, o principal objetivo da peça é desafiar a afirmação de Tolstói de que “das famílias felizes não costumam rezar a história”. Contudo, Miguel Castro Caldas, criador de “Enseada”, confessa que, após discussões de equipa e o começo da produção do projeto, “esta afirmação deixou de fazer algum sentido”.

O enfoque da apresentação recai, maioritariamente, sobre a inexistência de conflito se só há felicidade, “porque a felicidade não permite história”. O encenador destaca a presença de bem-estar no começo ou no fim do enredo, no entanto tem de haver uma rutura para que haja uma narrativa. O problema que o criador e os atores de “Enseada” engendram para a continuação do projeto é a instalação da rotina nessa linha basilar de felicidade. O conflito do quotidiano torna-se simultaneamente um problema, mas também uma resolução.

Os Festivais Gil Vicente recebem Miguel Castro Caldas, o autor que apresentou o ano passado “Se Eu Vivesse Tu Morrias”.Este espectáculo [‘Enseada’] nunca poderia existir sem o ‘Se Eu Vivesse Tu Morrias’ ”, confessa o encenador. O ponto fulcral da peça apresentado na 31.ª edição dos festivais é colocar o texto dramático à vista de todos, tanto dos atores como dos espectadores. Este ano, o autor de “Enseada” quer continuar o trabalho de “provar que o teatro e o público são plataformas diferentes”.

Em entrevista ao ComUM, os atores Élvio Camacho, Marta Félix e Márcia Lança revelaram que a maior dificuldade desta peça foi o decorar o texto, tal como nos projetos anteriores. Todavia, esta foi uma produção completamente diferente das outras, tanto pelo facto das discussões em busca de ideias não terem sido nada comparadas a anteriores, como por causa desafio de se estar a trabalhar com uma questão tão meticulosa como a felicidade e a sua representação no teatro. Marta Lança destaca que o processo de obtenção das ideias, apesar de ser algo que existe em todos os projetos, é incomparável nesta peça.

Os Festivais Gil Vicente têm lugar no Centro Cultural de Vila Flor, em Guimarães, até ao próximo dia 16 de junho.