A série da HBO rebenta a escala de roentgen da mestria televisiva e apresenta-nos uma série informativa que, em suma e em poucas palavras, é nada menos do que espetacular.
Falar de Chernobyl é falar da realidade. Por vezes, há realidades inteiras definidas num segundo, partículas de inferno que se escapam da malha que tecemos e vão pousar levemente no soalho. Entre elas e a catástrofe há um minuto de silêncio, um segundo de hesitação, um crepitar incessante de um dosímetro e uma realidade que ninguém quer aceitar.
Se esta minissérie fosse um edifício, era uma perfeita catedral, imponente no seu existir, construída detalhe a detalhe, contando histórias de pedras e pessoas, de urânio, de silêncio, de bombeiros, de liquidadores, de mergulhadores, de cidadãos, erguida e mantida não pela religião cristã mas pelo socialismo russo que se apresentava como o núcleo da própria energia nuclear.
Se tudo em Chernobyl se destaca pela positiva, falemos de tudo. Logo de início, salta-nos à vista o look da série, a paleta de cores que nos transporta de volta para os anos 80, as cores fétidas e sinistras que nos envolvem numa bolha radioativa de tensão, curiosidade e medo, associadas a um trabalho de câmara que durante toda a série é um balanço entre movimento e suspense que nos coloca como uma pena ao sabor do vento, pairando sobre uma cidade devastada por um ar irrespirável e uma nuvem reluzente demasiado bonita para se assemelhar tanto à morte.
Depois, é a banda sonora que nos chama à atenção: imponente e perturbadora, fenomenalmente criada e produzida por Hildur Guðnadóttir a partir de sons reais de uma central nuclear. Talvez por isso nos soe tão realista, e tão fantasmagórica e musicalmente mecânica. Talvez por isso seja tão perfeita.
Mas não pode haver séries sem bons atores, sem performances que façam tudo parecer tão real. O talento deste elenco, aliado a um excelente trabalho de direção de arte e guarda-roupa que produziu reproduções detalhadas das pessoas reais por trás do desastre, faz-nos entrar nas suas mentes e atentamente seguir os seus passos: faz-nos conhecer, dentro do possível, as pessoas por trás das máquinas, por trás dos cargos, por trás do jogo de xadrez soviético.
Para além disto, o trabalho fantástico da direção de arte prolonga-se até aos cenários, a cada simples pormenor que vemos na série, a cada cuidadosa tentativa de recriar a época, o local e o contexto, e ainda aos efeitos especiais e maquilhagem especialmente arrepiante.
O argumento consegue ser artístico de uma forma belíssima, sem descuidar o rigor científico e tornando muito fácil seguir todo o processo. Mas é belo a cada momento, desde o primeiro contacto que temos com ele, na reflexão de Legasov sobre a mentira, a verdade e a loucura, até ao último.
Por fim, é de louvar a quantidade de pesquisa por trás desta produção, a preocupação com o detalhe e com o rigor, para informar e esclarecer o público acerca do desastre. A exploração das tensões e segredos políticos por trás do acidente são uma aventura corajosa por parte dos produtores, que está incrivelmente conseguida e que é um dos principais focos da narrativa. Mais do que entretenimento, esta é uma série informativa, são cinco episódios de aprendizagem sob a forma de pura arte e de ousadia. Chernobyl é uma inspiração para qualquer um que deseja produzir cinema e televisão a partir de um acontecimento real.
Falar de Chernobyl não é para qualquer um. Ouvir Chernobyl também não. Esta série faz ambos. Terá o espectador coragem de se sentar em frente ao ecrã?