Os hábitos de programação, a escassez de financiamento e a ausência de políticas públicas baseadas em estratégias integradas para a promoção do audiovisual são as razões para a corda bamba na qual o cinema português se tem tentado manter de pé ao longo dos últimos anos. Se formos abordar as carências da cinematografia nacional, as causas para a sua decadência evidente fornecem-nos, ironicamente, material suficiente para um filme.
Foi na passada quarta-feira que decorreu a quarta edição dos Encontros de Cinema Português, na qual se debateu precisamente o estado da sétima arte através de uma pergunta como mote para a conversa: “Como atingir um milhão de espectadores?”. Responder a tal questão de uma forma que englobe estratégias para a ação é tão desafiante quanto necessário.
O primeiro passo implica um ângulo de análise que considere tanto o lado de lá como o lado de cá, englobando a produção e a audiência. Esta dupla visão é crucial porque tão frequentemente é fácil olhar para os números decadentes de espectadores nas salas de cinema e culpar o público por uma hollywoodização dos gostos, fazendo um diagnóstico que centra o problema apenas numa das metades do conjunto.
A verdade é que as produtoras nacionais sofrem de uma precariedade que não lhes permite sobreviver muito mais do que alguns meses. A falta de investimento coloca sim em severo risco não só a quantidade como a qualidade do que é produzido na sétima arte em Portugal.
O financiamento, crucial para a sobrevivência de qualquer setor, não tem um papel menos relevante no que ao cinema diz respeito. Este financiamento pode ser relativo tanto às produtoras como ao próprio ensino audiovisual. É por isso essencial que as entidades públicas e privadas levem a sério o cinema como forma crucial para a difusão da língua e cultura portuguesas. Falta ainda no caminho para a mudança uma aposta na literacia cinematográfica e audiovisual junto do público. A alteração de hábitos de consumo passa por ensinamentos que mudem os gostos.
Neste sentido, a Direção-Geral da Administração Escolar e a Direção de Serviços de Ensino e Escolas Portuguesas no Estrangeiro têm dado alguns passos, através de uma parceria com o Plano Nacional de Cinema, assinada em fevereiro, com o intuito de divulgar produções fílmicas nacionais junto dos alunos das Escolas Portuguesas do Estrangeiro. No entanto, além disto, estratégias mais integradas com calendarizações longas e alvos abrangentes devem contar das políticas públicas.
No meio de tudo isto não podemos ignorar o papel das grandes distribuidoras nacionais. A NOS, líder do mercado na distribuição cinematográfica, anunciou nos Encontros do Cinema Português que vai inaugurar no complexo de cinemas NOS Alvaláxia, em Lisboa, uma sala em exclusivo para exibir obras de autoria nacional.
Enquanto um milhão de espectadores é um número facilmente atingido noutras formas culturais ou de entretenimento, o cinema nacional não conhece números tão elevados desde o ano de 2015, segundo os relatórios do Instituto do Cinema e de Audiovisual. Enquanto importante forma de expressão e de promoção cultural, o debate em torno desta causa deve continuar a ser promovido para o alcance de um patamar em que a produção e a audiência se encontrem numa zona que permita confortavelmente a defesa e a sustentabilidade do cinema português.