T é o nome do projeto a solo do multi-instrumentista, produtor, cantor e compositor Thomas Thielen. Solipsystemology é o mais recente álbum de um artista que vive na sombra do caminho que construiu para si, correspondendo à última parte de uma trilogia que começou em 2015 com Fragmentropy.

Underground no próprio mundo elitista do Rock progressivo, a música de T assume cada vez mais uma identidade não catalogável e, ainda que se possam encontrar influências de Bjork, Marillion, Genesis, Talk Talk e The Cure, entre outros, é justo dizer que a forma e o conceito da arte deste artista são dignas do seu próprio espaço no mundo da primeira arte. Música contemporânea, alternativa e progressiva são as primeiras associações a fazer-se, caso nos seja incumbida a tarefa de classificar num só género a sonoridade do músico alemão.

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Produzindo, compondo e interpretando tudo o que faz (sendo apenas a masterização do seu trabalho responsabilidade de outra pessoa que não ele próprio), a sonoridade de Thomas Thielen sob o nome de T é incrivelmente intensa, densa e obscura em todos os seus projetos. A cada novo álbum, parece ser mais difícil entrar neste mundo negro, complexo e trabalhado ao pormenor, repleto de pinceladas de bom gosto e sensibilidade, com o impacto emocional da música a assumir o papel de agarrar o ouvinte, que confronta sempre duas hipóteses. A rejeição imediata e comodista de algo que se destaca de tudo o resto que é comummente desenvolvido no panorama da primeira arte, ou o abraçar da intriga que o desconforto, as dissonâncias e o caráter quase obsessivo dos ambientes que cria e que destrói são capazes de provocar em quem atentar ao trabalho do músico germânico.

Solipsystemology, de um modo positivo, é facilmente adivinhável que seja o resultado da mente de uma só pessoa. Preso nos recantos mais íntimos e emotivos de alguém com disponibilidade e paixão pelo processo de escrutínio e admiração relativo às suas próprias ideias, este disco esmaga os preconceitos de quem se esforça por mergulhar sem oferecer resistência na viagem que promove.

Sem que haja a necessidade ou intenção de exibir os dotes a nível de domínio dos diferentes instrumentos, cada componente e timbre explorados baseiam-se no propósito final com o qual o artista se compromete. São apreciáveis diversos momentos de uma capacidade técnica considerável em diversos instrumentos, o que é ainda mais impressionante. Dá a ideia que é em teclados que se baseia a construção destes temas, mas o verdadeiro selo de distinção passa pelo trabalho na produção e na forma como a mesma não se limita a pintar o desenho original de cada canção, mas se mostra capaz de ser a alavanca e a força que guia o rumo de cada uma delas, em diferentes momentos.

Constantes desabafos hipnóticos resultam como propulsores dos gritos vibrantes e da majestosidade dos arranjos da instrumentalização do álbum, metafórica e literalmente falando. Inovador e ambicioso no seu conceito, Solipsystemology carateriza-se por uma construção despreocupada de futilidades e livre na sua forma, de modo a não criar limites à criatividade do compositor e permitir, através da abordagem de vários sons e dinâmicas, o melhor aproveitamento de cada momento expressivo.

A utilização peculiar das guitarras, com dedilhados preciosos assumidos como camadas deliciosas e delicadas nas imediações mais melódicas e confortáveis do projeto, e a força apaixonada nos solos que rasgam e brotam no clímax de várias das canções proporcionam sensações indescritíveis, audíveis desde a primeira faixa “the end of always”. Momentos rítmicos interessantíssimos, como os que são experienciáveis em “lifeoscopy”, servem constantemente como pontes para novos panoramas emotivos e, em tantas outras vezes, como suportes para o mote que está a ser desenvolvido. As constantes variações de caráter roçam quase sempre a perfeição, sendo trabalhadas minuciosamente sem medos e sob uma panóplia invejável de harmonias melódicas originais e arrepiantes, demonstrativas de um vasto conhecimento musical e de um período inspiradíssimo na carreira de Thomas Thielen.

A forma como são cozinhados os instantes finais de “laughter’s cold remains”, de modo a salientar a beleza do que se adivinha, é um dos muitos exemplos de sucesso do acima mencionado. Os arranjos vocais e a sobreposição de várias camadas, todas elas apreciáveis ao detalhe e constantemente munidas de trabalho extra a nível de produção na utilização de variados efeitos, são uma caraterística comum explorada ao longo de praticamente todo o álbum. A beleza da cacofonia desenvolvida em canções como “when we were us” e os seus indecifráveis desfechos, juntamente com os curiosos caminhos nos quais se inserem, são direcionados com mestria para o ambiente hipnótico, denso, negro e melancólico que distingue a música de T. Estas quase são a “imagem de marca” do artista, não obstante da sua capacidade de se desdobrar sobre os diversos componentes e capítulos emocionais da odisseia que é a sonoridade ao longo do disco.

Da parte de Thomas, torna-se quase que risivelmente presunçoso afirmar assim a sua genialidade, face à estupidamente reduzida exposição do seu trabalho. Isto é demasiado bom para não ser reconhecido e, ao mesmo tempo, é demasiado difícil, confuso, intrigante, transtornador e esgotante para apelar a um público considerável. T é a imagem perfeita para o génio incompreendido que não abdica de empregar o seu trabalho, paixão, originalidade e conhecimento para fazer aquilo que entende como sendo o mais indicado face aos seus objetivos, sem se deixar corromper por fatores externos a isso. Os instantes finais do disco são a melhor representação sonora que consigo imaginar para isto mesmo, na medida em que representam o comprometimento total com a causa que representam e com o seu propósito musical no conceito global da obra que nos é apresentada.

Com T vamos “beyond the dark” e, a partir do momento em que se assume este compromisso intelectual e emocional com o que ouvimos, não há como voltar atrás. Solipsystemology promete ser um dos melhores álbuns da década para quem não desistir de o descobrir.