Violator é o sétimo álbum da banda inglesa Depeche Mode. É dos projetos mais importantes da música eletrónica e a passagem perfeita de uma década para a outra, não só para a banda, mas também numa análise mais ideológica e técnica a nível de sonoridades, ambientes e produção.

Lançado em março de 1990, adequa-se perfeitamente ao período da sua concessão, ao mesmo tempo que, por ser tão ambicioso, trabalhado, bem conseguido e sucedido se torna num passo importante para o género. Negro, íntimo, sensual, romântico e dançante, Violator é capaz de agradar a vastos públicos e de se adequar a diferentes ambientes. É a obra maior da discografia da banda, com o nome do produtor “Flood” a ser creditado como uma das principais razões para a qualidade e o sucesso do trabalho apresentado.

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O trio inglês explorou as infinitas capacidades e valências dos sintetizadores analógicos, construindo assim uma panóplia de sons admirável que, por si só, já faz do álbum uma escuta digna. Aliando a isto melodias inspiradas, riffs memoráveis, harmonia entre sons e letras estranhamente humana e natural, especialmente tendo em conta o estilo eletrónico da banda, obtemos uma obra coesa, cativante e emotiva. O modo singular de cantar  de Dave Gahan, num registo baixo, intenso e expressivo enquadra-se no caráter do disco e nos temas que aborda.

Mas nem tudo é perfeito. Por vezes, a banda parece deixar-se hipnotizar pela própria música, abusando da repetição e tendo alguma dificuldade em desenvolver alguns temas tornando-os interessantes do início ao fim após várias escutas. Além disto, algumas rimas soam um bocado forçadas, mas nada de escandaloso.

World in my eyes” abre sensual, como um espelho entre a relação entre esse lado hipnótico e íntimo e o lado intelectual e psicológico de uma relação. Ao mesmo tempo parece dirigida ao ouvinte, no sentido em que o convida para uma viagem onde apenas tem de se deixar estar quieto e deixar-se levar pelo “eu lírico”.

A segunda parte de “Sweetest perfection” consegue desenvolver-se com uma envolvência e intensidade que não volta a ser alcançada pela banda, pelo menos não nesta dimensão. Com todo um conjunto de guitarras e sintetizadores a viajarem de um lado ao outro da nossa cabeça, deixando o rasto do som anterior conjugar-se com a novidade apresentada, é criado um momento impressionante. Claramente dos pontos altos do disco, apesar de conter alguns dos melhores exemplos das já referidas rimas forçadas.

A terceira música, “Personal Jesus”, é o primeiro grande single. O famoso riff que é repetido incessantemente ao longo do tema tornou-se icónico e é daquelas coisas que vamos dar por nós a cantar na banheira. No entanto, os quase 5 minutos de duração são um período de tempo que exigia que a canção fosse capaz de explorar novas direções ou pelo menos dinamizar melhor a temática musical que abraça.

Halo” é dramática e pecaminosa. Fala de religião e da dicotomia “Bom/Mau”. O impacto das notas soltas do piano e para o frisson das cordas destacam-se e funcionam como propulsores da pujança e pungimento do tema. Cada parte da música faz-se sentir quase que orgulhosamente assim que aparece para protagonizar o seu momento. A performance vocal é emotiva, poderosa e digna de ser assinalável. Um tema que deixa a sua marca, ciente do seu peso e do seu papel no conceito global do projeto.

Waiting for the night” é linda, frágil e minimalista. O refrão é demasiado repetido sem que hajam grandes desenvolvimentos ou alterações dinâmicas no mesmo, não acrescentando, portanto, nada de mais à música. O ambiente hipnótico vai-se desvanecendo no último minuto e meio da canção, mas, mais uma vez, sente-se que o mesmo impacto seria conseguido em menos tempo.

Enjoy the silence” é mais um single de sucesso. Libertadora e inspirada, faz-se acompanhar de uma letra passível de ser interpretada de maneiras diferentes, não restringindo a música e não lhe retirando significado. Isto é, aliás, uma constante, em Violator. Pode ser feita uma ligação com a droga e com o amor em vários dos temas. Tenho de frisar, no entanto, que a rima “words are very/ unnecessary” não é de todo bem conseguida e não se assume como contribuinte digna de uma canção tão boa. Aliado à faixa, temos um interlúdio negro e obsessivo. Os sons desenvolvidos e a sua apresentação são absolutamente fantásticos.

Segue-se “Policy of Truth”. Sexy e desinibida, groovy e hipnótica, as passagens da música são sempre muito bem conseguidas e envolventes. Intensa, deixa pairar uma sensação mista de arrependimento e atrevimento. Grande momento.

Blue Dress” fala do prazer que o sujeito lírico consegue extrair do simples ato de ver uma mulher a vestir-se. Pessoalmente, adoro a ideia e o conceito. Soa sedutora, poética e romântica. “Something so simple/ Something so trivial/ Makes me a happy man”. Não posso não achar isto simplesmente lindo. Muito mais bonito que perverso ou esquisito.

Em seguida, um interlúdio interessante antecede a última faixa o que facilita a sequencialidade do álbum e o torna mais fluído. E chegamos a “Clean”. Mais uma vez, a ambiguidade da letra não nos permite perceber a que se refere este “clean”. Negra e profunda, quente e pujante, a batida constante parece ganhar mais e mais intensidade conforme o desenvolvimento do tema. Todo um complexo mundo sonoro de pormenores e sensações o eleva para um patamar diferente e único, terminando a viagem prometida no início com chave de ouro.

Violator é um álbum excelente e inolvidável, que soa estrondosamente moderno, apesar de já ter perto de 30 anos. Acho que convém frisar este ponto, porque os ambientes e sons desenvolvidos no disco são realmente impressionantes, magnéticos, hipnóticos e aterradores.

A parte final do álbum é ainda melhor que o início, apesar de momentos brilhantes como a segunda parte de “Sweetest Perfection” e “Halo”. Quentes e autênticos, os temas “Policy of Truth”, “Blue Dress” e “Clean” são escalados com delicadeza e minúcia, proporcionando ao ouvinte uma experiência fantástica.

Nas palavras da Blitz, Violator “extravasou definitivamente o mercado da Synth Pop” e “catapultou os Depeche Mode para o estatuto de banda de estádio”. Com 4 singles de sucesso, um som inovador e uma coesão e envolvência assinaláveis, há muitos mais aspetos para louvar do que para censurar, apesar de não ser perfeito. Atingir o mainstream com um som tão único e um projeto tão apreciável é algo digno de registo e que não acontece todos os dias.