Ingmar Bergman, o grão-mestre sueco do cinema, retrata um pedaço cru de vida na película de 1957, Morangos Silvestres. Podemos apenas maravilhar-nos perante a delicadeza da construção.

Restringir Morangos Silvestres a um único tema ou intenção seria, a meu ver, um erro. Logo numa primeira visualização é evidente a complexidade da relação entre os elementos do filme, materiais, imateriais e humanos. Talvez o mais correto seja dizer que o trabalho é sobre a relação das pessoas com o tempo e com aquilo por que passaram e foram. Põe-se então na mesa a questão da possibilidade de perdão e reconciliação, face à ameaça inevitável da morte, o envelhecimento e a solidão.

Há algo de profundamente humano neste filme do realizador sueco, que toca de forma orgânica e vê de forma periférica. A exploração extensa da psique e a sinceridade de alguns diálogos faz lembrar passagens de Dostoiévsky, mas, dadas as naturezas distintas das artes e dos artistas, Ingmar Bergman é bem mais subliminar do que o escritor russo.

Morangos Silvestres

Morangos Silvestres começa com a auto-introdução do personagem principal, Isak Borg, interpretado por Victor Sjöström. Isak é um médico septuagenário que vive sozinho com a criada Agda. O homem descreve-se a si mesmo como um ermita que decidiu por iniciativa própria abandonar a vida em sociedade, que considera vazia e fútil.

Por ocasião de uma condecoração honorária, o médico viaja até Lund, atravessando o país na companhia da sua nora Marianne (interpretada por Ingrid Thulin, uma das muitas musas de Bergman). É ao longo desta viagem que Isak se cruza com várias pessoas, das idades e naturezas mais distintas. Este contacto vai fazê-lo pôr a vida em perspetiva e recuar aos erros que cometeu ao longo de 70 anos. Todas elas o remetem para um episódio que viveu e encarnam o refluxo de tempo do qual não se pode escapar em vida. Isto torna-se evidente nos múltiplos sonhos do protagonista ao longo da película.

O enredo de Morangos Silvestres é tão real, plausível e trágico quanto uma viagem de uma cidade a outra. Mas o que é explorado até um ponto sem análise é a relação complexa que se estabelece entre o Homem e a vida, tão sujeita a erros como a não ser possível viver com eles. A reflexão de Bergman centra-se no conflito interior dos personagens, que nos levam à nossa própria vida e aos nossos próprios conflitos, mesmo aqueles que ainda não tivemos.

Algures na cinematografia de Woody Allen afirma-se que Ingmar Bergman é o último grande mestre do cinema. Uma coisa é certa, nenhum depois dele teve a capacidade de tocar com tanta leveza o abismo da alma humana. Morangos Silvestres é catártico, é o cinema na expressão mais alta.