Há histórias que vale a pena conhecer. O filme de 1980 de David Lynch conta-nos uma dessas histórias: a de um homem cuja vida é tornada duplamente pior pela época em que viveu, mas cuja coragem e resiliência serão sempre igualmente admiráveis.
Joseph Merrick nasceu na Inglaterra de Vitória com graves deformações físicas e ganhava a vida ao ser exibido em circos de aberrações. Isto até conhecer Frederick Treves, um médico que o ajuda a integrar-se na sociedade londrina.
Por contar uma história verídica, O Homem Elefante toca-nos muito mais. Lynch procura levar-nos a conhecer os pensamentos e sentimentos deste homem peculiar, em primeiro lugar ao fazer justiça à história real do protagonista, sem acrescentar demasiados pormenores fictícios. Exibe, também, a batalha interior de Treves face às intenções que tem para com o paciente.
Todas as faces têm dois lados, todas as histórias várias versões e todas as questões múltiplas respostas. O verdadeiro Joseph era um poeta, e a história demonstra este lado artístico do homem real ao relacioná-lo com algo não muito diferente: o teatro. Numa cena, o “Homem Elefante” declama Shakespeare e exibe-nos da forma mais óbvia – como costumava escrever nas cartas o verdadeiro Merrick – que “A mente é a medida do Homem.”
Desde os cenários pormenorizados ao guarda-roupa e à própria banda sonora, o filme dá-nos a sensação de que estamos a assistir a algo roubado a outra época. Conduz-nos: por vezes de mão dada, por vezes numa hipnose, por vezes aos empurrões pelas ruas sujas de Londres, pelas elegantes salas de chá da época, e pela mente receosa de um homem confundido demasiadas vezes com um monstro.
Entre todos estes elementos, desfilam os atores. Anthony Hopkins não desilude, como seria de esperar, e John Hurt comove a cada passo, a cada gesto e a cada palavra.
Poderíamos cair no erro de pensar que no meio de tamanha quantidade de maquilhagem e alterações faciais seria difícil ver humanidade num ator. Mas arrisco-me a dizer que, neste caso, ela se torna ainda mais evidente. Talvez, também, por sabermos que o rosto para que olhamos foi outrora um rosto real, rejeitado ao início, admirado e cobiçado pelas razões mais vis e, agora, mundialmente conhecido como um exemplo de que a poesia se revela em várias formas, tal como o ser humano.
Este é um filme um pouco diferente daquilo a que estamos habituados em David Lynch. No entanto, denota na perfeição o estilo único do realizador de fazer cinema, bem como já alguns sinais do visionário que nos traria, mais tarde, películas como Blue Velvet ou Mulholland Drive.
Em suma, hipnótico, artístico. Traz para o ecrã a Inglaterra Vitoriana sob a forma da nossa fantasia: essa Londres do tempo que parece, até hoje, ter sido um novo século e um novo marco histórico, um novo pesadelo a preto e branco envolto em fumo, mas, também, berço de poesia.
Este é um filme que vale a pena ver. Porque é a coragem de homens como este, cuja história é aqui contada, que abre os olhos ao mundo. Como o próprio Joseph diria: “É verdade que a minha forma é bizarra, mas culpar-me a mim por ela é culpar Deus.”
Título Original: The Elephant Man
Realizador: David Lynch
Elenco: John Hurt, Anthony Hopkins, Anne Bancroft
EUA
1980