O Sono da Morte, primeiro livro que Dick Haskins escreveu, analisa detalhadamente a investigação de uma morte. Apesar de ser uma obra bem composta, peca por não explorar a vinco as diferentes emoções.

Dick Haskins é o pseudónimo de António Andrade Albuquerque – a consequência de uma escolha forçada por não ver o trabalho reconhecido pelos compatriotas. O autor é mundialmente conhecido pelas obras policiais.

Ao longo das páginas da obra, os leitores são convidados a explorar as diferentes possibilidades de resolução da morte de Eric Morgan. Primeiramente, é explorada a eventualidade de ter sido acidental. “Morgan sofria de hipertensão arterial e estava condenado a morrer de um dia para o outro, ao menor descuido”, por isso, não seria uma hipótese descabida.

No entanto, após a autópsia percebe-se que a morte foi premedita – “Morgan foi morto com uma injeção de cianeto de potássio”. Daí em diante, parte-se dos pontos de vista de Robert Wells, inspetor de Scotland Yard, e Dick Haskins, enquanto repórter criminologista do Times, para se tentar descobrir quem está por detrás do homicídio.

A princípio, todos os indícios incriminam Hilda Morgan, sobrinha de Eric Morgan: foi a última pessoa a ver o seu tio com vida; não apresenta álibi, visto ter-se deslocado ao quarto minutos antes do acontecimento, devido a uma ligeira dor de cabeça; aparentemente deixa uma prova irrefutável, “um pedaço de tecido de um vestido de noite preso no degrau de uma escada”, que se acredita ter sido utilizada para facilitar a fuga.

Para além disto, Hilda correspondia à pessoa responsável por administrar medicamentos ao tio. Apresenta ainda um motivo válido – “herdando a parte da fortuna do tio que lhe competia, poderia casar” – e uma confissão manuscrita. De qualquer forma, Dick Haskins não acredita nessa possibilidade e continua a questionar se será realmente Hilda Morgan a responsável pela morte de Eric.

António Andrade Albuquerque

Apesar de ser a sobrinha a suspeita mais válida, outras personagens deixam de imediato dúvida quanto à sua inocência. Curiosamente, correspondem a personagens que, por si só, são tipicamente consideradas culpadas de algo.

Por um lado, temos Boardman, o mordomo da casa Morgan, que “tinha cerca de cinquenta anos, mas as rugas que lhe sulcavam o rosto, os abundantes cabelos grisalhos nas têmporas e a altivez do seu porte faziam com que aparentasse mais idade”. Este é um homem que cumpre sem questionar o que lhe é pedido e que melhor que ninguém conhece a casa. Por outro, temos Stuart Hale, um homem carrancudo, antiquado e duvidoso, que é nada mais, nada menos que o médico de Eric Morgan, um papel que lhe permitiria facilmente envenená-lo.

A relação estabelecida entre o inspetor de Scotland Yard e o repórter criminologista do Times é cómica e reconhecível. Ao longo dos anos, vêm-se constantemente representadas relações de simbiose entre as autoridades e a imprensa: estabelece-se uma associação que é benéfica para ambas as entidades e uma amizade que corresponde a um misto entre um aproveitamento mútuo e um crescente reconhecimento profissional e pessoal.

Esta não é uma exceção, Robert Wells e Dick Haskins aparentam repugnar-se – “O que foi que foste “farejar” a casa de Morgan? Ainda não tinha autorizado a imprensa a meter-se no caso…” / “Lamentável ignorância da minha parte… Qual é o palpite?” / “Estás a falar de corridas de cavalos?”. Porém, acabam por perceber a importância de colaborarem num “intercâmbio de informações para a solução do caso”.

O Sono da Morte deixa transparecer uma realidade quase quimérica, uma realidade tão distante e, por isso, tida como estranha. A presença de passagens secretas numa mansão, apesar de ser uma componente característica das casas mais ricas de uma determinada época, quando mencionada parece ser ainda apenas uma invenção dos escritores. Ademais, a obra refere-se a uma personagem fantasma, uma figura não invisível, apenas desconhecida – uma classificação de tipo de personagem que deveria constar em todos os manuais.

Para além disso, a história conta com duas características distintivas. Em primeiro lugar, apresenta as personagens principais antes de começar a história. Este aspeto permite ao leitor reter mais facilmente a identidade de cada elemento e, em caso de dúvida, ter um local concreto e sumário para a esclarecer. Em segundo lugar, apesar de o autor ser português, todas as ações decorrem entre Londres e Paris, com constantes referências a locais estrangeiros e típicos de cada cidade.

Apesar de em certos momentos Dick Haskins utilizar o calão (como por exemplo, “chui” – polícia), geralmente recorre a um discurso muito pouco quotidiano e característico do seu tempo. Sendo assim, é comum encontrarem-se expressões como “anuir”, isto é, estar de acordo com.

Anuo então que a escrita é de fácil leitura e característica de um policial. Contudo, o seu escritor poderia optar por um lado ligeiramente mais poético, um romance passageiro não chega para dar uma dose de emoção.

António Andrade Albuquerque