Novamente com oito episódios, a segunda temporada de Killing Eve promete dar continuidade ao aumento de proximidade entre as antagonistas. Apesar de supor uma realidade quimérica e constantemente repetida no mundo cinematográfico, consegue apaixonar e surpreender os observadores.
O último episódio da primeira temporada levantou imensas questões quanto ao desenvolvimento do drama. A detetive Eve Polastri (Sandra Oh) havia ficado obcecada pela serial killer Villanelle (Jodie Comer) e, por achar que isso era inconcebível, decide esfaqueá-la. Numa situação normal, este acontecimento culminaria na morte da pessoa agredida ou no afastamento total dos indivíduos. Neste caso, serviu de meio de aproximação e maior intimidade entre as mesmas – “Sometimes, when you love someone, you will do crazy things” (“Às vezes, quando amamos alguém, fazemos coisas loucas”). Além disso, estimulou em Eve dois sentimentos completamente contrários: vergonha do feito e vontade de explorar esse lado criminal. Desta forma, prevalece a questão: irá a detetive esquecer o feito e progredir com a vida pessoal/profissional ou suscitará ainda mais vontade de se aproximar da realidade vivida por Villanelle?
A nova temporada permite angariar um conjunto de informações que tombam para ambas as respostas. Sendo assim, cabe aos espectadores fazerem uma estimativa e irem tirando as conclusões por eles mesmos. No entanto, não se devem enganar e esperar sempre pelas atitudes mais normais – a série zela pela irracionalidade. Apesar dos esforços de ambas as personagens para se reencontrarem, existe uma distância física constante propositada, que permite tornar cada instante de proximidade mais intenso. No momento em que Villanelle vai a casa de Eve Polastri com a suposta missão de a matar, o discurso de ambas demonstra uma escassa vontade de cumprir o objetivo. A provocação e a necessidade constante de dar provas de superação tornam o momento desconfortável, todavia, sensual.
O sentimento de desconforto permanente deve-se à série tratar de um relacionamento completamente tóxico, agravado pelo facto de Villanelle ser uma assassina contratada. Não é nada mais que uma obsessão compulsiva que passa de um mero pensamento regular na pessoa amada, a tentativas de ciúmes, a perseguições e a mortes.
Aquando Konstantin, “manager de assassinatos de Villanelle”, se encontra com Eve, estabelece uma metáfora extraordinária com um livro para crianças (“A Lagartinha Muito Comilona”, de Eric Carle) para a aconselhar a afastar-se da assassina – Konstantin: “Leave her alone. She’s a parasite, Eve. She gets into your brain and she eats you up to make space for herself, like that book with the hungry worm and all that food? Pickles, tomatoes” (Konstantin: “Deixa-a. Ela é um parasita, Eve. Ela entra no teu cérebro e começa a comê-lo para arranjar espaço para ela, como naquele livro com a minhoca esfomeada e toda aquela comida? Pickles, tomates”).
Por sua vez, o tema da psicopatia é um dos motes da série, é possível ver até uma apresentação em PowerPoint sobre como tentar manipular um psicopata – “Money, praise, and attention will help for a while. But honestly, there’s no containing anyone like this for any length of time” (“Dinheiro, elogios e atenção podem ajudar um pouco. Mas, honestamente, não há como contê-los por muito tempo”). Sendo assim, adianta que existem mecanismos através dos quais se pode tentar conter um criminoso deste tipo. No entanto, correspondem a mecanismos voláteis, isto é, que, de um momento para o outro, podem perder a força. Relativamente a Villanelle, esses associam-se a superficialidades como roupas de marca, maquilhagem, perfumes e habitações de luxo.
Além da personalidade que detém, a predisposição da assassina para usufruir de materiais de qualidade tornam-na numa personagem excêntrica. Desta forma, a cada episódio que passa podemos contar com roupas altamente improváveis. De qualquer forma, algumas das escolhas passam pelo processo de transformação numa outra pessoa. Já Eve Polastri apresenta um estilo bastante sóbrio, prático e, de certa forma, comodista. Durante muito tempo, Eve dedicava-se ao trabalho e à vida pessoal junto do marido. Para ela não há necessidade para muitos fogos de artifício, incluindo preferir andar com o cabelo preso. Essa preferência pode estar associada à praticabilidade, mas também pode estar associada à tentativa de esconder um elemento feminino atrativo.
A excentricidade de Villanelle espelha-se no tipo de mortes que executa. No quarto episódio da segunda temporada, a criminosa, inspirada por um quadro, decide executar um homem infiel, pendurando-o de cabeça para baixo com o estômago aberto. A cena passa-se em Amesterdão, mais concretamente na Red Light Street, onde a assassina se faz passar por uma prostituta ao utilizar um vestido de tule cor-de-rosa com um avental, um gorro e uma máscara de um porco. O exibicionismo da mulher faz com que o ato decorra aos olhos de todas as pessoas que se encontravam na rua. Isto cria uma imagem obscura, contudo, agradável visualmente: centrada pela janela, com o uso repetido do cor-de-rosa (vestimenta, revestimento das paredes e luzes), a escolha de tons mais escuros para o vestuário do homem (preto e castanho, de forma a dar-lhe maior destaque) e o reflexo realista do vidro.
Muitas são as pessoas que acreditam que a série permite fazer uma alternância entre os papéis homem-mulher: a não ser que se trate de uma personagem intencionalmente sensual, os assassinos são geralmente homens. As mulheres são estereotipadamente consideradas mais aptas para serem professoras do que propriamente elementos de alta segurança e vice-versa; são ainda tipicamente mais pacatas e dedicadas ao seio doméstico do que os homens. Killing Eve permite espelhar precisamente o contrário: Villanelle enquanto assassina; Eve Polastri como detetive; Niko, marido de Eve, como professor; e Carolyn Martens enquanto chefe da secção Russa no MI6.
A série conta com uma panóplia de atores de qualidade, incluindo: Sandra Oh, conhecida pelo seu papel em Grey’s Anatomy; Jodie Comer; Fiona Shaw, atriz catedrática, reconhecida pelo papel de Petunia Dursley, em Harry Potter; Owen McDonnell, ator irlandês famoso por interpretar o Sargento Jack Driscoll, da Garda, na RTÉ Television; e Kim Bodnia, mundialmente reconhecido por Martin Rohde em The Bridge.
Para além de tudo isto, a soundtrack é extraordinariamente adequado. É utilizado o trabalho da banda Unloved, com músicas como “I Could Tell You but I’d Have to Kill”, “Cry Baby Cry” e “Unloved Heart”.
Killing Eve é uma série de thriller que apresenta tudo a seu favor: puxa pela cabeça dos espetadores, leva-os ao desconforto e trá-los de volta com piadas inteligentes. No entanto, possui algumas cenas explícitas e, por isso, não será adequada para todos. De qualquer forma, resta saber o que esperar da terceira temporada.
Título Original: Killing Eve
Realizador: Phoebe Waller-Bridge
Argumento: Phoebe Waller-Bridge
Elenco: Jodie Comer, Sandra Oh, Kim Bodnia
UK
2019