O mundo está de luto. “A garota do Ipanema” não anda, o nosso coração canta “desafinado” e bradamos aos céus tamanha “insensatez” por terem levado um dos melhores músicos da história da Bossa Nova e, enfim, do mundo.
João Gilberto faleceu aos 88 anos e deixa entre nós, meros mortais, um legado fabuloso de canções que conjugam a suavidade do jazz com os acordes ritmados e batida caraterística do estilo que criou.
“Chega de saudade” foi o LP que mudou a trajetória da história brasileira. O “pai da Bossa Nova” influenciou gerações e gerações de músicos que, sem o seu primeiro avanço, nunca se tornariam tão grandiosos como são hoje. É o caso de Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso, que nunca poderia ter juntado “o antes, o agora e o depois”.
Luís Tatit afirmou, e muito bem, que João Gilberto foi um “recompositor”. Ele não compôs. Ele recompôs, refez, renovou, recriou o mundo à sua volta e o resultado está à audição de todos, e que bela audição.
As suas linhas melódicas, cantadas com a maior leveza são, ainda, um desafio para os cantores deste mundo, já que exigem um controlo muito grande da respiração. João Gilberto conseguiu ludibriar-nos a todos. Desengane-se quem pensa que é tão fácil cantar quanto ouvir.
É engraçado, mas apurado, pensar em João Gilberto como enganador, porque tudo o que ele quis foi compor. Expressar-se da melhor maneira que sabia e, ao fazê-lo com tanta maestria, roubou os nossos corações como um Don Juan. Qual cupido necessário para que dois pombinhos se apaixonem, apenas é necessária uma serenata ao som de “Maria Ninguém”.
João Gilberto levou consigo a nossa tristeza, a nossa dor enquanto amantes deste estilo revolucionário que confrontou as bases do jazz com a sua doçura e genialidade de escalas. Não vai haver mais “Um samba de uma nota só”, nem tampouco o icónico “Bim Bom”, que foi impulsionador da sua carreira, quando a Bossa Nova nem um estilo era. Quanta amargura, qual sentimento agridoce que nos deixe na esperança que seja ainda maior o seu sucesso póstumo, do que quando ele estava entre nós.
A dor é nossa e nos doeu. A culpa é sua, o samba é seu.
Até sempre, João Gilberto.