Crooked Rain, Crooked Rain é o segundo álbum do aclamado conjunto americano Pavement, e foi o grande passo para o estatuto que viriam a conquistar. Aliadas à sonoridade esquisita, fuzzy e descomprometida do disco anterior, uma série de canções chamativas mostraram-se capazes de assumir o papel de hits e de se ambientarem na perfeição à época musical que se vivia na altura. Este é um projeto que soa claramente a anos 90.

Tudo na banda condiz com o que ela representa para os seus seguidores. Desde a produção Lo-fi ao espírito Indie enquadrado na sonoridade alternativa que emergia na década de 90, os Pavement são o reflexo da forma como apresentam as suas músicas.

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Descomprometidos, divertidos, talentosos, criativos, inteligentes, críticos e com uma sensibilidade melódica apaixonante proporcionam-nos, em Crooked Rain, Crooked Rain, uma experiência capaz de despertar as mais variadas emoções. Desde as gargalhadas mais sinceras à lágrima no canto do olho que nem sabe bem porque surge nem qual o seu propósito, a banda arrasta-nos para o seu ambiente sem nunca nos incomodar.

Em muitas das faixas ouvimos risos e gritos, e todas as respirações soam naturais e humanas. Este é um clássico da música alternativa e do Indie Rock, mais concretamente falando, por ser tão bom naquilo que se propõe a ser.

O álbum abre em grande com “Silence Kit”. A bridge da música surge como um escape do resto da faixa, condizendo com a letra. A faixa apela à desinibição do personagem a que se dirige e o “eu lírico” sugere-lhe as suas ideias e conselhos para o ajudar nesse aspeto. Na fase final da canção, há uma quebra do ritmo/caminho que estava a ser desenvolvido. A quebra assinala a influência que as palavras tiveram no “Silent Kit”, levando-o à “spotlight”, apesar de isso ter sido conseguido através da droga ecstasy. No último verso, “Screwin’ myself with my hand”, notamos mais uma tentativa desesperada de “Silent Kit” se tentar satisfazer e libertar. Nota para o sentido de humor de Malkmus, que é uma constante ao longo do disco.

Elevate Me Later” é uma crítica às classes mais ricas. Uma canção pouco venturosa, mas com uma visão interessante, abordada de forma inteligente e sarcástica. Não é um ponto alto, mas não deixa de ser um complemento digno do seu valor.

Stop Breathin” é um bom exemplo das analogias metafóricas e quase “fabulásticas” caraterísticas da escrita de Stephen, que por vezes abrangem um leque absurdo de possíveis interpretações. Surge num registo mais lento e calmo que os temas anteriores. O solo final e a forma como nos é introduzido, num crescendo de tensão entre a guitarra e o baixo, para terminar de forma quase que irresponsável, soam quase anedóticos de uma maneira positiva.

Cut Your Hair” foi o single maior da discografia da banda. Os coros soam divertidos e a faixa é mais uma bicada aos estereótipos e tendências que nos envolvem parecendo dirigida à indústria musical.

Newark Wilder” é irónica e psicadélica. “It’s a brand new era, it feels great/  It’s a brand new era, but it came too late”. A música acaba numa espécie de suplício de compreensão e atenção dirigido provavelmente a uma entidade feminina com a qual o “eu poético” esteja envolvido.

Unfair” soa claramente mais agressiva e enérgica. Uma pitada de adrenalina adicionada à receita final do projeto. As guitarras parecem gritar desinibidas com Malkmus no fim da canção.

Gold Soundz” parece estranhamente bonita e triste. Fala de uma relação que está a perder fulgor, mas onde ambas as partes se importam com o outro lado. As críticas que o cantor atira para a sua parceira são indiretamente admitidas como aplicáveis a si mesmo, o que atribui à música um caráter mais melancólico, humilde e humano.

Range Life” é quase Country e estranhamente atrevida. São lançadas bicadas bem-humoradas e confiantes aos Smashing Pumpkins e aos The Stone Temple Pilots, o que por si só é já curioso, especialmente tendo em conta o facto de a canção ter sido apresentada como um single.

Segue-se “Heaven is a Truck”, que parece uma piada, e, bem vistas as coisas, talvez o seja mesmo. É-nos pintado o paraíso como algo efetivamente atingível de forma absolutamente ridícula numa canção que parece nem saber bem o que quer ser e o que quer passar para o ouvinte.

5-4=Unity” é o único tema instrumental do projeto. A base rítmica é interessante e incaraterística do género e o piano é-nos apresentado de forma nada convencional. Os instrumentos parecem atropelar-se sem pedir licença, num emaranhado de ideias confusas e displicentes, contribuindo para um ambiente caótico e irreverente.

Hit The Plane Down” soa doentia e obsessiva, com um conjunto de pensamentos loucos, imagens e desejos esquisitos e distópicos a serem repetidos exaustivamente. Contrasta com o tema anterior e desenvolve-se num crescendo fuzzy de malhas de guitarra, terminando com destaque para a voz distante de Malkmus a cantar: “Hit the plane down / There’s no survivors”.

Fillmore Jive” fecha o disco com chave de ouro. É provavelmente o momento alto do mesmo, e o seu caráter mais emotivo e épico é suportado por uma instrumentalização apaixonada e por solos de guitarra que se parecem procurar a si mesmos com o desenvolvimento da canção. É a faixa mais longa e prepara o seu clímax num ambiente de pura loucura e paixão. Pronta para ir aos céus e cair como se nunca lá estivesse estado, parece completamente desprovida de estrutura e despreocupada das suas complicações.

Crooked Rain, Crooked Rain é o reflexo e o símbolo de uma era e de um movimento de irreverência e independência. Inteligente, divertido, criativo e estranhamento belo e inspirado é a correspondência de pouco mais de 40 minutos de êxtase, onde tudo pode significar nada ou o que quer que seja. Óbvio que não é bem assim, mas é, por vezes, essa a sensação que passa, e grande parte da beleza do álbum está aí e no facto de isso ser tão interessante sem importar para nada.

Um álbum marcante e difícil de não gostar e admirar, apesar de caótico e quase que displicente. Cheio de “hooks” memoráveis e momentos fantásticos, não deixa lugar para aborrecimentos ou bocejos enfadados, e é capaz de tirar de nós sorrisos que valem a pena sorrir.