Primeiro estranha-se depois entranha-se. Esta expressão encaixa perfeitamente naquilo que é o álbum Castelos. Prodígio abdicou das punch lines e focou-se em transmitir uma mensagem ao mundo acerca dos problemas que enfrenta o povo angolano.
No total são 18 faixas que, em conjunto, formam um dos melhores projetos feitos nos últimos anos no Hip-Hop de língua portuguesa. Castelos é, na verdade, um álbum duplo. Apesar de existirem faixas que demonstram o contrário, a primeira parte contém as músicas “mais sentidas” com mensagens para pessoas em concreto, enquanto a segunda parte trabalho é composta por várias músicas repletas de punch lines para a “concorrência” no mundo do Hip-Hop.
O projeto surpreendeu. Ao longo da carreira, Prodígio nunca escondeu a preocupação pelas condições precárias em que vive grande parte do povo angolano, mas não se esperava um disco baseado nessa faceta mais concreta e aplicada à realidade social.
O tema “Castelos de Lata” é o melhor exemplo para o que foi dito acima. Prodígio deu voz ao povo de Angola em jeito de carta aberta para os governantes do país. Versos como “como vamos ter hotéis se ainda dormimos na rua?” são uma clara crítica à gestão de recursos que se verifica em Angola.
Também a família do rapper esteve presente neste álbum. “Olhos Azuis” é uma faixa que Prodígio dedica ao pai, na qual fala de todos os ensinamentos que este lhe proporcionou e lhe agradece pela educação que recebeu.
Já Bruno, o filho do artista, é o destinatário da letra que o membro da Força Suprema escreveu na faixa “Homens Não Choram 2”. Esta é provavelmente a música mais sentimental de todo o álbum. É composta por uma mensagem forte, na qual Prodígio fala ao filho sobre o mundo em que vivemos, sobre a necessidade de lutar diariamente e que, apesar de fazer bem, chorar não muda nada. Esta faixa é a continuação da música lançada em 2013 pelo artista. Com o mesmo destinatário e com o mesmo nome, “Homens não choram” continua a ser uma das músicas de maior sucesso no reportório de Prodígio.
Eu nomearia a faixa “Medo” como o destaque do álbum Castelos. Parece-me impossível esta canção não mexer com os sentimentos de alguém. Conjuntamente com o instrumental muito bem conseguido por parte dos produtores da Dope Muzik, Prodígio dirigiu as suas palavras a um agente da autoridade. A forma do discurso é tão sincera e realista que comove quem o ouve e desperta em nós pensamentos acerca da contínua existência de racismo nos dias que correm. É realmente um hino de igualdade.
A segunda parte do álbum é, como já foi referido, diferente da primeira. Aqui regressa o Prodígio que conhecemos. Com a colaboração de NGA e Deezy em algumas faixas, o rapper angolano volta à carga, direcionando “acusações” para o mundo do Rap em geral. Nesta parte do projeto regressam algumas batidas com estilo Boom Bap e as habituais letras mais agressivas e egocêntricas.
À partida, a suposta falta de mensagens diretas e sentimentos de sofrimento pode levar o público a pensar que esta parte do álbum é mais pobre e vazia. Poderá existir alguma verdade nessa afirmação mas, conteúdo à parte, esta é a parte mais excitante do álbum por músicas como “Injusto”.
Inicia-se com um excerto de áudio em que ouvimos um locutor de televisão a anunciar Prodígio como convidado do seu programa e a falar do sucesso que o rapper tem tido ao longo dos últimos anos. E é então que começa aquilo que deixa os amantes de Hip-Hop entusiasmados. Uma bela batida Boom Bap serve de base ao melhor flow de Prodígio que, com punch lines fantásticas, faz uma música digna de ser imortalizada no top 20 do Hip-Hop português.
Para além da mensagem carregada de sentimento e, na segunda parte, de um flow viciante, as faixas deste álbum nascem a partir de instrumentais de grande qualidade. Mike 11, Beatoven, Ghetto Ace e a própria produtora da qual faz parte Prodígio fizeram um grande trabalho na produção destas batidas que, em conjunto com as interpretações do rapper, criaram esta bela obra.
Foram usados bastantes samples de guitarra, comuns quando se pretende criar músicas com algum valor sentimental. Nomeadamente na música “Down”, que conta com a participação de GSon do grupo Wet Bed Gang, a presença da guitarra portuguesa constitui um grande fator de proximidade entre o rapper angolano e o público português. O elemento principal do álbum é, inegavelmente, a mensagem que Prodígio nos quis transmitir, mas os instrumentais utilizados são de grande qualidade e têm também uma grande parte da culpa do bom trabalho que é o produto final.
Quem já era fã de Prodígio certamente ficou orgulhoso deste projeto. Quem não era, passou a ser, pois este é, sem dúvida, um dos melhores trabalhos feitos nos últimos anos no Rap com a língua de Camões.