Ao terceiro ano de existência, o SC Braga tocou o céu. Depois de muito sofrimento, as bracarenses atingiram o objetivo traçado.

Na relva do Estádio 1.º de Maio mora uma equipa que é hoje detentora da Liga BPI e da Supertaça. Uma equipa cuja sorte foi sempre madrasta até à ultima temporada. 2019 foi o ano em que o conto de fadas do SC Braga se tornou real, três anos depois das portas terem aberto pela primeira vez.

2016/17: As portas abrem-se e a história começa

2016 foi um ano revolucionário para o futebol feminino português e para o SC Braga. A convite da Federação Portuguesa de Futebol, os minhotos decidiram criar a secção feminina para se integrarem na Primeira Liga. O mesmo sucedeu com aquele que viria a ser, até aos dias de hoje, o maior rival das Gverreiras do Minho: o Sporting CP.

Os efeitos da entrada dos dois clubes no futebol feminino português sentiram-se logo. As leoas conquistaram o campeonato, com mais três pontos do que as arsenalistas, e a Taça de Portugal, com uma vitória por 2-1 no prolongamento, sobre as bracarenses.“Close but no cigar”, como diriam os americanos.

Rute Costa é uma das caras que abraçou o projeto desde a criação. A guarda-redes tem, também, uma história de superação, ao nível de uma verdadeira “Gverreira”. Em 2014, com apenas 19 anos, um dedo partido esteve quase a terminar uma carreira que tinha acabado de começar. Na ótica dos especialistas que consultou, o diagnóstico era claro: Rute nunca mais seria capaz de praticar uma modalidade que envolvesse o uso das mãos.

Mas a minhota nunca atirou a toalha ao chão. Duas operações, uma placa, nove parafusos e 100 sessões de fisioterapia depois, com diagnósticos dos especialistas pelo meio, as coisas começaram a acontecer. Do regresso à competição, pela porta do Clube de Albergaria, ao convite do SC Braga foram precisos apenas 25 jogos. “O que me levou a aceitar [o convite do SC Braga] foi claramente a oportunidade de estar num contexto grande, num clube grande, com melhores condições. Isso é tudo o que qualquer jogadora de futebol feminino ambiciona”, afirma a internacional portuguesa, hoje com 25 anos.

“O futebol feminino tem uma grande parte dos clubes que são amadores, treinávamos com condições muito precárias, horários muito precários e o SC Braga dava-me condições para aumentar aquilo que era a minha excelência desportiva. E então era impensável não aceitar o convite e, sem dúvida, foi a minha melhor opção”, acrescentou a número 12.

A par de Vanessa Marques, Rute Costa é a única jogadora que está no clube desde o dia zero e, por isso, é a pessoa ideal para retratar a evolução do projeto: “Desde o início que tínhamos excelentes condições. Materiais, recursos humanos, recursos económicos e isso tudo foi-se mantendo, com algumas melhorias. Em termos de evolução, aquilo que temos desde o início para hoje sem dúvida que são os títulos que conseguimos conquistar e que ambicionávamos muito”.

Com os anos de casa vem também a responsabilidade de passar os valores do clube a quem chega, uma tarefa que é partilhada por Rute e Vanessa. “A par da Vanessa, sou das jogadoras que está cá desde o início do projeto. E nós também tentamos integrar as outras jogadoras e tentamos passar aquilo que são os princípios e os valores do clube, porque também achamos importante que elas desde cedo entendam o que é ser uma jogadora do SC Braga e a postura que devem ter. Então, somos nós próprias que tentamos passar isso porque é só benéfico para elas”, diz a guardiã natural de Famalicão.

2017/18: Tão perto e tão longe

Coimbra, 3 de setembro de 2017. Sporting CP e SC Braga davam o pontapé de saída para a nova época, ao disputar a Supertaça. Um golo de Pauleta aos 12 minutos adiantou as “Gverreiras” e parecia que ia ser suficiente para a primeira conquista minhota. Parecia. Em cima do minuto 90+2, Ana Capeta empatou e atirou o jogo para prolongamento, onde viria a fazer mais dois golos. Perto, cada vez mais perto, mas o troféu voltou a fugir para Lisboa.

No campeonato, mais uma vez vice-campeãs, novamente a três pontos do campeão… o Sporting CP. “Em mim não, mas provavelmente havia aquele espírito coletivo de que as coisas continuavam a não correr bem. Isso é normal. Acontecimento atrás de acontecimento, derrota atrás de derrota, se calhar num contexto coletivo é normal que isso surja”, confessou Rute Costa acerca da possibilidade de surgir a pairar sobre as cabeças das jogadoras uma ideia de que não conseguiam vencer as leoas.

A época ainda não tinha acabado. Já com Miguel Santos ao leme, depois de ter substituído João Marques, o SC Braga disputava o “terceiro assalto” com o Sporting CP no relvado do Jamor, numa reedição da final da Taça de Portugal da época anterior. Quando Sílvia Domingos apitou para o final dos 90 minutos, o marcador indicava um nulo, e como tinha acontecido sempre até então, ia ser necessário prolongamento. Ao minuto 105, um balde de água gelada caiu sobre as minhotas: Ana Capeta descobriu Diana Silva em zona central, e num pontapé de meia distância, a avançada leonina bateu Rute Costa e garantiu mais um troféu para o Sporting CP. Mais um troféu que escapava às bracarenses e um jogo que serviu de lição para o futuro.

“A derrota teve peso. Para mim, na altura, foi a primeira vez que tinha perdido com o Sporting CP. Ao jogo que fizemos, na minha opinião, em termos de qualidade tínhamos merecido [ganhar]. Mas não marcámos. Falhámos muito e, no futebol, quem não mata, morre e nós acabámos por morrer na praia”, afirmou Miguel Santos. Vitória ou derrota no Jamor, nada podia mudar o que já estava previamente definido: o plantel ia sofrer uma reestruturação.

2018/19: o passo que faltava

Dois campeonatos perdidos por três pontos, duas Taças de Portugal e uma Supertaça perdidas no prolongamento. A direção do SC Braga, juntamente com o técnico Miguel Santos, que iria fazer a primeira temporada completa enquanto treinador principal da equipa, dizem “basta”. Está na hora de reformular o projeto.

Foi a hora de mudança. Ao regresso de Sara Brasil, que tinha rumado ao Vilaverdense por uma época, juntaram-se as chegadas das portuguesas Paulinha, Cláudia Machado, Madalena Lopes, Inês Maia e Matilde Fidalgo. Para além disso, um plantel que anteriormente era quase todo ele português começou a adquirir tons internacionais.

Chegaram a Braga a venezuelana Daniuska Rodríguez, a camaronesa Farida Machia, a nigeriana Chinaza Uchendu, a ganesa Alberta Ahialey, a canadiana Larisa Staub e as norte-americanas Carly Gould, Hannah Keane, Denali Murnan e, a meio da temporada, Morgan Bertsch. O plantel estava formado e era hora de colocar mãos à obra. A época arrancava no Fontelo na disputa da Supertaça, com mais um episódio da rivalidade com o Sporting CP.

E as lágrimas continuaram. Mas desta vez, eram lágrimas bem diferentes das de outros tempos. Eram lágrimas de alegria por uma barreira ultrapassada, pelo primeiro título da história do clube: a Supertaça.

Na Liga BPI, as coisas iam de vento em popa para as bracarenses: nove vitórias em outros tantos jogos, que davam a liderança da prova com mais dois pontos do que o Sporting CP. Na décima jornada, era a altura do SC Braga visitar Alcochete. A vitória na Supertaça tinha sido o ponto de viragem: ao fim de tantos jogos e de tantos anos sem conseguir vencer o Sporting CP, as jogadoras minhotas tinham-no conseguido pela primeira vez e tomaram-lhe o gosto.

Assim, os golos de Keane e Machia deram uma vitória por 0-2 que permitiu ao SC Braga cavar um fosso importante de cinco pontos na classificação. A confiança bracarense estava de tal maneira alta que, quando o Sporting CP se deslocou a Braga para os oitavos de final da Taça, foi despachado novamente com um resultado de 3-1. Pela primeira vez em três anos, era o SC Braga que estava na linha da frente e as leoas numa posição que nunca lhes tivera sido dada a conhecer.

O foco era um: trazer para Braga o campeonato. E nem quando as arsenalistas desperdiçaram a vantagem que tinham nas meias-finais da Taça sobre o Benfica o foco desapareceu. Juntar a Taça teria sido agradável, mas era o campeonato que verdadeiramente queriam e ditou o destino que o jogo frente ao Sporting CP pudesse ser decisivo. E foi. Com um empate a zero, a festa fez-se em tons de vermelho e branco um pouco por toda a cidade de Braga, mas com epicentro no relvado do 1.º de Maio. O objetivo número um fora alcançado, mas a ambição não fica por aqui.

2019/20: “Vamos lutar pelos títulos todos”

Mérito e competência são palavras chave para Miguel Santos. Para o treinador do SC Braga, são elas que vão decidir quantos títulos conquistará o clube na nova época.

Ambição, no entanto, é coisa que não falta no lado de quem experimentou a vitória e gostou. E a vontade de vencer passa do técnico para as jogadoras. “Um clube grande como o SC Braga tem que encarar todas as competições para vencer. Esse será sempre o objetivo. Jogo após jogo, mas sempre com o pensamento de vencer”, afirmou Rute Costa.

“Não queremos nunca ter expetativas baixas. Temos que ganhar.”

A norte-americana Hannah Keane, terceira melhor marcadora da Liga BPI em 2018/19, junta-se à companheira de equipa e ao técnico na demonstração de querer. Consciente do aumento da ameaça, isto é, da competitividade do campeonato com a subida do SL Benfica ao primeiro escalão, a avançada confia numa equipa bracarense à altura do desafio e realça que é preciso o conjunto minhoto continuar focado na temporada que se aproxima.

Para a nova época, a política de contratações mudou drasticamente: “Este ano mantivemos 85% a 90% da equipa e fomos buscar só jogadoras experientes e uma por setor. A Marie para a baliza, a Rayanne para o setor defensivo, a Dolores para o setor médio e a Shade para o setor avançado. Mas tudo jogadoras experientes”, explicou o técnico de 35 anos, que apelida as contratações de “cirúrgicas”.

Com o objetivo bem definido em revalidar o título e lutar por todas as provas internas, o SC Braga vai dar início à quarta época de um projeto que bateu às portas do céu, que se abrem agora para receber as “Gverreiras” com um novo desafio: a Liga dos Campeões.

SC Braga. Chegar, sofrer e vencer (2.ª parte)

Reportagem: Daniel Sousa

Imagem: Sofia Vieira e Mariana Oliveira

Edição: Sofia Vieira