"É um tipo de competição completamente diferente”
Dolores Silva é uma das caras novas do SC Braga para 2019/20. A internacional portuguesa regressa ao Minho depois de um ano ao serviço do Atlético Madrid. Na origem do regresso estão razões de “nível pessoal”.
“Precisava de serenidade e, apesar de ter sido um ano em que conquistámos a Liga e que foi muito importante a nível desportivo, a nível pessoal teve alguns altos e baixos e assim que houve a oportunidade de regressar a casa, decidi pensar bem sobre o assunto e aceitar”, afirmou a atleta, que esteve presente num jogo revolucionário para a modalidade.
A 17 de março de 2019, o Atlético Madrid recebeu o FC Barcelona no Wanda Metropolitano, perante mais de 60 mil pessoas. Um acontecimento que Dolores reconheceu “não ser tão comum acontecer” no futebol feminino, deixando ainda escapar que “fazer parte desse momento é um sonho”.
Em Espanha, a médio teve a oportunidade de jogar na Liga dos Campeões, prova que as bracarenses vão disputar pela primeira vez esta temporada. Ciente da exigência da prova, a jogadora de 27 anos espera poder ajudar a equipa com a experiência adquirida numa época em que considera ter existido “um grande crescimento” e “muitas aprendizagens”, que a tornaram uma atleta mais madura.
Com a pré-época a chegar ao fim e o primeiro jogo oficial – no próximo dia 7, frente ao Sturm Graz – a aproximar-se, também Rute Costa alertou para a dificuldade da competição, mas surge confiante de que a equipa vai estar à altura. “Estamos preparadas, sabemos que é um grupo difícil. São equipas que têm um nível de qualidade muito equiparado ao nosso. São equipas campeãs e vice-campeãs e portanto o nível de qualidade vai ser elevado, mas acredito que temos todas as condições para fazer uma boa campanha na Liga dos Campeões”, afirmou a guardiã.
Um plantel jovem, mas “a qualidade não olha a idades”
Diana Gomes é um dos rostos da juventude do plantel arsenalista. Aos 21 anos, a defesa central vai iniciar a terceira temporada ao serviço do SC Braga e tem vindo a ocupar um lugar no eixo da defesa de forma quase indiscutível. Os níveis de desempenho que apresenta não passam, portanto, despercebidos aos olhos do selecionador nacional Francisco Neto, que a tem chamado regularmente para os trabalhos da equipa das quinas.
A quem também não passam despercebidas as exibições de Diana são às companheiras mais jovens, que a vêem como um exemplo e a procuram para trocar opiniões. “Sim, vêem-me como um exemplo, pedem opiniões e eu vou ajudar as minhas colegas no que puder”, começou por dizer.
No entanto, a internacional portuguesa recusa que o sucesso a torne especial. “Também têm que olhar para mim como uma pessoa normal, porque eu sou normal, não têm que haver diferenças. Elas para chegarem ao meu patamar têm que lutar e conseguem-no facilmente, com muita luta e sacrifício”, acrescentou.
Prestes a entrar numa competição onde, por muitas vezes, se fala em experiência, a atleta natural de Paços de Ferreira prefere encarar a idade como apenas um número e deixar que os pés falem por si dentro das quatro linhas. Nesse plano, o das prestações em campo, surge a situação atual do futebol feminino em Portugal, que a defesa considera não ser ainda devidamente valorizado.
“Atrasamo-nos um pouco e por isso pagamos essa fatura”
A situação em que o futebol feminino se encontra foi também alvo da análise de Miguel Santos, que vai ao encontro da sua jogadora com a ideia de que é preciso fazer mais, apesar de reconhecer que a modalidade, “de um modo geral, desenvolveu-se muito”.
Aliada à parte económica, que “também tem que acompanhar e que ainda não acompanha” a parte desportiva, surge a falta de investimento dos clubes. Para o timoneiro bracarense, seria importante que os maiores emblemas do futebol nacional se chegassem à frente. “Quando o FC Porto, o Rio Ave e o Vitória SC assumirem uma aposta séria isto [o futebol feminino] volta a crescer, porque são clubes com muito potencial e com dinheiro”, justificou.
Um plantel com tons internacionais
Hannah Keane é uma das jogadoras estrangeiras que chegou a Braga no início da temporada 2017/18. “Estava entre várias equipas, tinha acabado de jogar na Alemanha e estava em casa com os meus pais. Queria algo novo e então contratei um novo agente. Uma semana depois, ele ligou-me e perguntou se eu podia estar em Portugal dentro de dois dias”, recordou.
Com passagens pelos campeonatos dos Estados Unidos, da Austrália e da Alemanha, a adaptação tornou-se mais fácil. Ainda assim, a norte-americana não fazia ideia do que ia encontrar em Portugal. “A exigência física é menor do que na Alemanha, sobretudo. Mas, ainda assim, gosto e acho que é um bom nível”, afirma.
Apesar de estar em solo português há apenas um ano, a jogadora de 26 anos destacou o profissionalismo da instituição e o tratamento desta para com o plantel feminino. Estes pequenos pormenores, aliados ao bom clima e à simpatia das gentes minhotas, fazem com que Hannah Keane queira quebrar o padrão. Depois de apenas um ano na Austrália e outro na Alemanha, a avançada parece ter encontrado em Portugal o sítio ideal para “criar algumas raízes”, como a própria menciona.
O processo de adaptação a um novo país exige, na maioria das vezes, a aprendizagem de uma nova língua. Ao fim de um ano, a futebolista natural da Califórnia ambientou-se bem, pelo menos dentro do campo. “Todas as palavras simples eu aprendi facilmente. Às vezes consigo entender quando as pessoas as dizem mas esqueço-me de as dizer de volta em português quando quero comunicar, mas dentro de campo nunca há nenhuma falha ou confusão”, revelou.
No entanto, quando a vida passa para fora das quatro linhas, a situação complica-se: “É fora do campo que, por vezes, ainda não consigo ter a mínima ideia do que está a acontecer. Definitivamente consigo entender muito mais do que o que consigo falar, mas em termos de jogo não tem sido um problema”, concluiu.
“Futebol é jogo de ideias e as ideias não têm género”
Quando se fala de futebol feminino, uma das dúvidas que podem surgir é acerca do tratamento às jogadoras. É o mesmo que é dado aos homens? É um tratamento mais “leve”?
Para Miguel Santos, treinar homens ou mulheres é o mesmo e o treinador explica o porquê: “Futebol é futebol, é jogo de ideias e as ideias não têm género”, disse. No entanto, reconhece existirem diferenças na forma como aborda um jogador ou uma jogadora. “A forma como eu, às vezes, vou falando para elas difere um bocadinho se eu estiver a falar para homens. Às vezes podia sair-me uma ou outra palavra mais feia e eu tento não o fazer com elas”, explicou.
A grande diferença, na ótica do comandante bracarense, está na formação. “A escola futebolística, o número de anos em que elas estiveram a levar formação é um pouco diferente do que nos homens. Isso faz com que a bagagem futebolística em termos mentais seja um pouco diferente. E então às vezes no discurso temos que puxar o filme atrás e ir um bocado ao A, B, C do futebol e de algumas coisas, que me fazem depois também falar um bocadinho diferente”, indicou.
Contudo, o jovem técnico alerta para uma realidade que “ainda não chegou muito” a Portugal: treinadores a abandonarem projetos no futebol masculino para abraçarem o futebol feminino. O Olympique Lyonnais, campeão europeu em título, é o maior exemplo, ao ter contratado um treinador da segunda divisão masculina francesa para assumir a equipa feminina esta temporada.
“Lá fora as coisas já andam desta maneira. Aqui em Portugal acredito que no futuro também irão andar e acredito que poderão haver colegas meus que estão a fazer carreira no masculino e que depois vêm para o feminino um par de anos, e depois se calhar regressam ao masculino e depois vêm outra vez para o feminino”, confessou, antes de concluir:
“É futebol, é futebol profissional, e futebol profissional é para os homens e para as mulheres. E, na minha opinião, é assim que tem que ser.”
Reportagem: Daniel Sousa
Imagem: Sofia Vieira e Mariana Oliveira
Edição: Sofia Vieira
Agosto 9, 2019
[…] Vê toda a reportagem aqui: http://www.comumonline.com/2019/08/sc-braga-chegar-sofrer-e-vencer-2-a-parte/ […]