A iniciativa “Tem muito que apanhar!” terminou esta quarta-feira, 31 de julho. Nas 12 ações realizadas no Santuário do Bom Jesus do Monte foi possível recolher 10.010 beatas de cigarro, além de resíduos recicláveis e lixo indiferenciado.

A recolha será entregue ao Instituto da Soldadura e Qualidade para ser reconvertida no Centro de Valorização de Resíduos e incorporada em tijolos. Com dois pedidos especiais, “que os tijolos produzidos sejam destinados para a reabilitação do edifício da Fábrica de Saboaria e Perfumaria Confiança” e que, antes da sua doação, permaneçam em exposição na Confraria do Bom Jesus do Monte, como um recurso pedagógico de educação ambiental.

Para além disso, procura-se que o projeto entre nos recordes do Guinness World Records de modo a alertar o mundo da problemática. O movimento foi criado por Carlos Dobreira, praticante de plogging – atividade que alia a prática de jogging com a apanha de lixo. Em declarações ao ComUM, o dinamizador da iniciativa explicou o conceito do projeto, o que o motivou a torná-lo público, os resultados e as expetativas de futuro.

ComUM: Como descobriu a paixão pelo plogging?

Carlos Dobreira: Desde jovem que pratico desporto, em particular a corrida e a caminhada. Já praticava a recolha de lixo e de resíduos recicláveis, desde há cerca de dois anos, mas de forma muito ocasional. O aumento calamitoso da “pegada ecológica”, nos concelhos onde tenho trabalhado como professor e investigador/historiador, levou-me a praticar plogging com assiduidade, desde o início deste ano.

ComUM: O que o motivou a criar e prosseguir com a iniciativa “Tem muito que apanhar!”?

Carlos Dobreira: A ação é inspirada na paixão pelo Património Cultural do concelho e na tenacidade do ser humano, pessoalmente transmitidas pelo Professor Lúcio Craveiro da Silva, com quem privei entre 1992 e 2007. Acresce a saturação atingida pela observação constante de beatas de cigarro nas entradas das Escolas, das Juntas de Freguesia, das Câmaras Municipais, da Assembleia da República e no vasto Património Cultural deste país, com ênfase para o existente no Bom Jesus, Sameiro e Falperra. O título deve-se à alusão feita por um cidadão no Bom Jesus, ao observar a prática de plogging.

ComUM: Porque escolheu o Santuário do Bom Jesus do Monte para desenvolver esta ação e levá-la a público?

Carlos Dobreira: Esta ação esteve focalizada no Santuário (desde o pórtico setecentista até à Basílica menor), mas, em particular, nas suas imediações e nos acessos (Parque do Arco, Largo de acesso ao Elevador, escadarias, esplanada da Café-Bar Mãe d’ Água e acesso ao lago), onde a “pegada ecológica” é colossal.

Escolhi-o por estar ligado à vivência geracional da sociedade portuguesa, em particular após o 25 de abril de 1974, assim como por ser um local com uma energia eletromagnética, uma riqueza desconhecida a nível da sua flora e fauna (em perigo, dado os comportamentos dos seres humanos que visitam o Santuário) e onde a água é um elemento fulcral. Por exemplo, fiquei surpreendido com a quantidade de escaravelhos, pica-paus e até esquilos que surgiam nas pedras e vegetação. E até fui surpreendido por veados a espreitarem-me junto à entrada do Elevador.

Por fim, este Património Cultural (agora Património Cultural Mundial da UNESCO) deve passar a ser um orgulho para o país. Infelizmente, a maioria dos portugueses não conhece verdadeiramente o Santuário e a sua história.

ComUM: Qual será o destino das beatas recolhidas? E porquê dessa escolha?

Carlos Dobreira: As beatas de cigarro serão doadas ao Instituto da Soldadura e Qualidade para serem reconvertidas no Centro de Valorização de Resíduos de Guimarães e, posteriormente, incorporadas em estruturas construtivas – tijolos (E-tijolo). Nessa doação pública, para a qual convidarei o Presidente da República, farei apenas um pedido: que os tijolos produzidos sejam destinados para a reabilitação do edifício da Fábrica de Saboaria e Perfumaria Confiança, localizada na freguesia de São Vítor (Braga).

A escolha deste destino serve para reconhecer o trabalho realizado com os projetos “Eco Pontas” e “Papa-Chicletes”, numa parceria da Câmara Municipal de Guimarães, do Laboratório da Paisagem e do CVRG e alvo dos maiores elogios.

ComUM: O Presidente da República, o Primeiro-Ministro e o Presidente da Comissão Nacional da UNESCO foram informados sobre a iniciativa. Que respostas recebeu até ao momento?

Carlos Dobreira: O Presidente da República (a 23 de junho e 9 de julho) e o Primeiro-Ministro (a 9 de julho) foram informados, via e-mail, da evolução desta ação e dos artigos online dos jornais Diário do Minho (de 23 de junho, da autoria de Nuno Cerqueira) e Semanário V (de 9 de julho, da autoria de Mariana Gomes).

O Presidente da Comissão Nacional da UNESCO foi também informado, em e-mail de 23 de junho (reenviado a 24 de junho), da recolha das 2358 pontas de cigarro (até 23 de junho) e do artigo online sobre esta temática, da autoria do jornalista Nuno Cerqueira (Diário do Minho), mas nunca respondeu. Inclusive, nesse e-mail,foi lançado um apelo à Comissão Nacional da UNESCO para “uma tomada de posição conjunta (com o Presidente da República), por forma a sensibilizar a sociedade portuguesa para a alteração desta postura, com destaque nas zonas onde se situa o Património Cultural classificado.”

Até à data, apenas o Presidente da República respondeu através da Casa Civil, pelo ofício n.º 8456 de 4 de julho e pelo ofício n.º 8877, de 16 de julho.

ComUM: Pretende que a recolha de beatas de cigarro entre para os recordes do Guinness World Records? Porquê?

Carlos Dobreira: Estes detritos levam um a cinco anos até se degradarem e possuem cerca de 4.000 tóxicos. Imagine-se o impacto das 10.010 beatas de cigarro no, agora, Património Cultural Mundial, caso não tivessem sido recolhidas. E é isso mesmo que se pretende, caso possível: registar o número recolhido, a título individual ou coletivo, nos sítios constantes da Lista do Património Cultural Mundial da UNESCO. Creio ser pedagógico.

ComUM: “Tem muito que apanhar!” terminou esta quarta-feira, dia 31 de julho, qual o balanço geral do projeto?

Carlos Dobreira: O balanço foi positivo e ultrapassou as expetativas. Para além de ter recolhido vários sacos de 30 litros com resíduos recicláveis e lixo, nas 12 ações realizadas foi possível proceder à recolha de 10 010 beatas de cigarro, desde o dia 3 de junho. Algo que me surpreendeu, foram os breves minutos em que recolhi 176 beatas. Apenas 10 minutos e logo no primeiro dia.

Agradeço o acolhimento das crianças, dos turistas e até de muitas e muitos bracarenses com quem hoje mantenho contacto. Um dos momentos marcantes ocorreu quando uma criança trouxe até mim uma beata de cigarro, pedindo, posteriormente, aos pais para lhe lavarem as mãos. Apercebi-me, igualmente, do desconhecimento, quase generalizado, sobre o significado das expressões “pegada ecológica” e “5 R`s” (Reduzir, Reutilizar, Recuperar, Renovar e Reciclar).

ComUM: É uma iniciativa que pretende que perdure? Se sim, de que forma visa obter a sua expansão?

Carlos Dobreira: Sim, claramente. Seria importante dar continuidade à mesma. Existe a possibilidade de se organizarem duas grandes ações de plogging com instituições e cidadãos no Santuário e nas imediações a 6 e 29 de setembro do ano corrente. Vamos aguardar.

Antes de serem doadas, caso a Confraria do Bom Jesus do Monte estivesse concordante, teria interesse em expor as 10 010 beatas de cigarro em local apropriado nas imediações do Santuário, como um recurso pedagógico de educação ambiental.

Mas, por exemplo, no passado dia 19 de julho, na intervenção realizada na sessão ordinária da Assembleia Municipal de Braga (AMB), propus à AMB e ao Executivo Municipal a promoção de ações de ploggingem todo o concelho, visando a recolha de pontas de cigarro e lixo indiferenciado. Seria um grande passo para marcar a diferença em termos do municipalismo português.

Gostaria também que o Município de Braga seguisse o exemplo do Município de Amares, o qual tem promovido, durante este ano, ações de ecoplogging. E, claro, seguisse o exemplo do Município de Guimarães, com os projetos “Ecopontas” e “Papa-Chicletes”, desde novembro de 2015, com a colocação de estruturas de mobiliário urbano para a colocação das beatas de cigarro e das chicletes.