João Maia investiu mais de duas décadas da sua vida num dos filmes mais esperados do ano. Quem diria que um dos maiores ícones portugueses criaria tanta dúvida quanto à criação de uma obra cinematográfica? Variações conta a história de António, um homem que rumou ao desconhecido em busca de inspiração para o futuro, mesmo que isso envolvesse sair dos braços da mãe e sair do país.

O realizador disse, por várias vezes, que Sérgio Praia, o protagonista, foi um milagre importante para que a ideia se tornasse uma realidade mais rapidamente. As diferenças de aspeto são evidentes. No entanto, a experiência do ator em diversos musicais sobre Variações ajudou a que fossemos transportados para as inibições e frustrações do cantor. Um cuidado essencial foi também a cor da tela, que traz ao de cima a realidade dos anos 70 e 80.

Variações

O guarda-roupa e os acessórios são talvez a parte que traz maior fidelidade à produção. O cérebro dos espectadores sai por momentos do século XXI e torna-se nostálgico dos tempos sem a tecnologia rápida e fácil que agora nos rodeia. Tudo isto graças a pormenores como as bebidas nas mesas e os instrumentos dos músicos. As novas gerações saem do filme com a sensação de que a vida agora é, de facto, facilitada.

Amesterdão é o ponto da história em que se começa a tomar um rumo. Aqui, um agente reúne-se com a figura ousada de António Ribeiro. A partir daí, a jornada de um cantor desafinado que espera tornar-se famoso prende-nos à tela. As rejeições constantes da sociedade e da própria editora fortalecem a personalidade de Variações. O artista foi mudando e subindo na carreira aos poucos, sem nunca perder a sua excentricidade e o amor à barbearia.

Variações

Entre algum do repertório apresentado, sente-se que a longa-metragem peca na exploração de mais músicas. Sendo o que apresentou o cantor ao mundo, esperava-se mais canções que as apresentadas. Em contrapartida, o realizador focou-se mais na vida pessoal e íntima. Tem muito tempo de antena com o cabeleireiro Fernando Ataíde, a grande paixão da sua vida. Além dele, percebe-se que António era um homem pretendido pela comunidade homossexual lisboeta, pois o estabelecimento onde trabalhava estava sempre cheio de mais clientes com segundas intenções.

“Toma o comprimido”, “Canção do Engate” e “Sempre Ausente”, entre outras, criam no espectador o que se acha ser o auge do filme. Quem assume ser fã do cantor ou simplesmente ouve e conhece as letras começa a entoá-las baixinho (para ninguém ouvir) no meio dos acordes que ecoam das colunas. É inevitável. Por isso, talvez fosse um pouco mais disso que se pedia para uma maior dinâmica com quem o vê.

Variações

“Toninho”, como a mãe docilmente o trata, nunca esqueceu as raízes do Minho, levando-nos a conhecer os cantos e recantos da sua infância. Até ao fim da sua curta vida, Fiscal (sua terra natal), a família e a fé foram o suporte da sua ascensão e queda no momento da doença fatal de que foi alvo. Inserimo-nos como se fossemos mais um elemento da família e esperamos na nossa cabeça que a doença se trate e que não seja nada de grave.

As transições bruscas e por vezes pouco percetíveis são o ponto fraco do trabalho. Quando nos começamos a inteirar de um momento da vida de Variações, um corte acaba com as nossas aspirações a ver mais do momento. Esperava-se mais coesão entre cenas e mais sonhos do cantor que, quando acontecem, dão ao filme uma dinâmica diferente e um ar ofegante aos espectadores.

Apesar das evidentes lacunas, é de louvar o trabalho do realizador João Maia na batalha para a realização da trama. É de senso comum a falta de apoio ao nosso cinema. Por isso, é favor apoiar um bom filme e que nos deixa com uma vontade enorme de bater o pé e dançar quando ouvimos músicas tão bonitas como as de António Variações. No final, tenho a certeza que não se arrependem do investimento, para além de que ainda se traz da sala de cinema uma vontade enorme de ouvir toda a discografia do músico. Só coisas boas.