Dois anos depois de lançar o álbum nomeado a Grammy, Lala’s Wisdom, Rapsody presenteia-nos agora com Eve. A cantora volta a subir o nível e dedica cada faixa a uma mulher negra que admira.
A nativa de Carolina do Norte, Marlanna Evans, teve muita base para ser MC, além de fã de Hip- Hop. Assistiu durante toda a sua adolescência a artistas como Lauryn Hill, MC Lyte, Queen Latifah, Rah Digga e Missy Elliot. Lançado a 23 de agosto de 2019, o disco sai pela lendária gravadora Roc Nation, e conta com uma escrita afiada de quem já anda nisto desde 2004.
O disco começa com uma gigantesca carga emocional, quando ouvimos samples de “Strange Fruit” de Nina Simone. A rapper recita as suas rimas sobre um instrumental que se vai construindo e faz referência a outros MC’s lendários como Biggie e Tupac. “Got my middle finger up like Pac after attempted murder”. Um começo brilhante para Rapsody, fazendo menção a um dos maiores expoentes de empoderamento de mulheres negras.
As baterias do instrumental em “Cleo”, conjugadas com o sample de “In the Air Tonight” de Phil Collins, tornam-na numa poderosa faixa. Rapsody fala sobre as dificuldades que teve que passar para vingar na indústria musical como mulher negra. A música é dedicada à assaltante de bancos Cleo Sims, do clássico do cinema negro Set It Off de 1996, interpretado por Queen Latifah, que também participa em Eve. “Cleo” representa a defesa das crenças e valores próprios e a não aceitar um “não” como resposta. Por essa razão, a rapper canta “We ain’t forgot about them shots, jack / They gon’ be mad when I squeeze back”, como se tivesse chegado o momento de ela rebater as criticas, e acreditar nos seus sonhos, falando disso na próxima faixa.
“I don’t care what you got to say about me no more” canta em “Aaliyah”. A sonoridade da música remete-nos aos anos 90, provavelmente por ser um tributo à princesa do R&B, Aaliyah, que fez muito sucesso durante essa época. Rapsody foi muito julgada pela forma como se veste, sempre de ténis e roupas largas, da mesma forma que Aaliyah no começo dos anos 90. Para a rapper não é preciso sexualizar o corpo feminino para conseguir vender.
A diversidade na produção é muito forte. Com um estilo mais Trap, Rapsody e Leikeli47 juntam-se para cantar sobre dinheiro em “Oprah”. O tema da música e o seu nome têm uma ligação evidente, já que é feita uma referência à primeira mulher negra bilionária, Oprah Winfrey.
“IBTIHAJ” parece poder ter sido lançada há 20 anos. Ninguém esperava ouvir samples e o refrão de “Liquid Swords” de Gza, membro dos Wu-Tang-Clan. Trata-se do principal single do álbum. O nome da faixa é uma referência a Ibtihaj Muhammad, a primeira mulher muçulmana na equipa americana de esgrima nas Olimpíadas de 2016. Rapsody faz também várias referências ao lendário grupo de Nova Iorque, Wu-Tang, “Wu-Tang for the children, that’s the scripture and phrase”. No videoclipe aparecem ainda Roxanne Chanté, rapper de Queens, que protagonizou a primeira batalha contra o sexismo no Rap, e Mary J Blige. Longe de ser um cover, a música é abençoada ainda com as participações de D’Angelo no refrão e do próprio Gza.
Em “Iman“, Rapsody conta com a ajuda das estrelas em ascensão SiR e J.I.D para uma ode à beleza negra. A cantora apela a Iman, uma das primeiras supermodelos negras, para falar sobre amor próprio, tal como SiR canta no refrão “Dark skin and the brown eyes and that ooh / Hair laid and the nails did, look at you”, quase que convidando as mulheres negras a se sentirem bem consigo mesmas.
“Sojourner” não é inédita mas sim uma colaboração com J. Cole que já tinha sido lançada há uns meses, no projeto Jamla Is the Squad II. É uma das produções mais incríveis do álbum, de autoria de 9th Wonder. O título deriva de Sojourner Truth, uma mulher afro-americana conhecida pelo ativismo no campo dos direitos da mulher. Ao longo da música, a rapper rejeita o hedonismo e a ostentação exaltada no estilo e deixa claro que ficará bem sem um carro grande ou uma mansão multimilionária.
Eve é uma celebração. Vários nomes de peso colaboram com a artista e a produção é de nível invejável, com 9th Wonder a produzir a maioria das faixas. Rapsody é uma daquelas artistas que poderia existir em várias eras, e de certeza que vai continuar focada em colocar nas suas rimas os motivos e referências que a trouxeram para dentro do Rap e as suas maiores inspirações na vida, as mulheres negras.