Espanha não é touradas. É heroína, desgostos amorosos, mães de família, o coro de uma Igreja, um transexual e um enfermeiro. É azul, vermelha e amarela. É sexo, discussões e beijos. Lá para o meio, também há touradas. Esta é a visão que nos dá Pedro Almodóvar, um ícone do cinema que celebrou esta quarta-feira, dia 25 de setembro, o seu 70º aniversário.
Almodóvar não é um realizador comum. Nunca estudou cinema (no sentido académico). Foi vocalista de uma banda Punk e, no que toca aos seus filmes, aborda temas peculiares de forma, também ela, peculiar. Hoje é reconhecido como um dos maiores realizadores mundiais, incontornável figura do cinema espanhol, e um pioneiro do diálogo e da abertura da sexualidade. Com mais de 20 filmes realizados, uns em circuitos restritos e outros à escala mundial, estreou recentemente em Portugal a sua obra mais recente: Dor e Glória.
O realizador, ator e guionista espanhol conta hoje com dois Óscares, dois Globos de Ouro, quatro prémios em Cannes, entre outros. Nasceu em Calzada de Calatrava, um povoado no centro de Espanha, na altura da ditadura franquista. Estudou num colégio católico que deixou profundas marcas no seu caráter pessoal e cinematográfico e, aos 16 anos, mudou-se sozinho para Madrid.
Trabalhou 12 anos numa companhia telefónica, juntou-se a um grupo de teatro e formou uma banda Punk, Los Gollardos, em que atuava vestido de mulher. Foi por esta altura que começou a realizar as primeiras películas, divulgadas em circuitos não comerciais. É com o fim da ditadura de Franco e com a explosão da cultura e arte espanholas, unidas no movimento La Movida, que se dá o seu primeiro lançamento oficial com o filme Duas Putas ou a História de Amor que Acaba em Casamento, em 1975.
Desde esse distante ano de 1975, o realizador aprofundou temas como a sexualidade, a marginalidade, o género, a religião e a cultura espanhola. São exemplos os filmes: Fala com Ela (2002), Tudo sobre a minha Mãe (1999) e Mulheres à beira de um Ataque de Nervos (1988).
Em todas as longas-metragens de Pedro Almodóvar há enredos tão diversos quantos mirabolantes. No entanto, há algo de transversal que os une: a marginalidade dos personagens, que vivem divididos entre a sua intimidade e o teatro social em que se incluem. Estas chegam até a tomar, por vezes, posições completamente antagónicas entre aquilo que assumem e aquilo que realmente sentem.
Esteticamente, os filmes do realizador espanhol são inconfundíveis, fundindo o kitsch com o simbolismo. Deste modo, os seus trabalhos são uma explosão de cor, mas pensados cromaticamente ao pormenor, na medida em que cada pigmento assume uma função emocional, metafórica, que nos leva ao interior da vida dos personagens e, em última análise, à própria vida do cineasta. O vermelho é, no entanto, uma das imagens do autor, omnipresente nos seus filmes, acarretando sempre uma grande carga dramática.
As obras de Pedro Almodóvar têm a capacidade invulgar de nos fazer simpatizar com personagens cujas ações são, de um ponto de vista moral, seriamente questionáveis. Em vários momentos nos seus filmes somos deparados com ações terríveis praticadas com as melhores das intenções. O realizador consegue colocar-nos dentro da mente, muitas vezes retorcida, dos personagens que as praticam, de um modo em que o choque é claramente procurado pelo realizador. Este choque toma, nos seus filmes, múltiplas formas, mas a sua singularidade encontra-se dentro da mente de cada espectador, e no bater do peito que Almodóvar nunca deixa indiferente.