Há cerca de 25 anos, o Brasil vivia uma revolução cultural com origem na cidade de Recife. Um novo movimento de desordenar a música brasileira, do qual Chico Science e Nação Zumbi foram percussores, ganhou força. Foi nesse contexto que os recifenses lançaram o seu primeiro álbum de estúdio, Da Lama ao Caos, em abril de 1994.
A ideia era misturar elementos da cultura folclórica brasileira, Funk Rock, batidas eletrónicas, riffs de guitarra pesados e Hip-Hop. O disco representa o auge do movimento que ficaria conhecido como Manguebeat e foi responsável por abrir portas para o Rock dos anos 90, com letras que tocavam na ferida da desigualdade social do país. O álbum está na lista dos 100 melhores discos da música brasileira da Rolling Stone.
Introduzindo o disco, Chico Science anuncia a profecia “modernizar o passado é uma evolução musical” através de um monólogo. A proposta era redimensionar e dar uma nova linguagem à música regional de Pernambuco. O cantor descreve a ideia do disco e caracteriza o movimento Manguebeat.
Nos primeiros versos da música inicial recita “Cadê as notas que estavam aqui? / Não preciso delas / Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos”. Mostra desprezo pelo conhecimento formal como condição necessária para se fazer música e valoriza a espontaneidade e o sentimento na arte.
Sem pausas, a segunda faixa inicia com Chico a indagar a violência que assola o Brasil. Em “Banditismo Por Uma Questão de Classe” é contestado o discurso do Estado e principalmente dos média. “Há um tempo atrás se falava em bandidos / Há um tempo atrás se falava em solução / Há um tempo atrás se falava em progresso / Há um tempo atrás que eu via televisão”.
Ouvimos, pela primeira vez, uma poderosa guitarra e letras cantadas de forma energética, criando uma sonoridade que vai estar presente em todo o disco. A composição analisa a questão social como principal causa na escolha do caminho da marginalidade. “E quem era inocente hoje já virou bandido / Pra poder comer um pedaço de pão todo fudido / Banditismo por pura maldade / Banditismo por necessidade”.
As mazelas da cidade de Recife são algo que fundamentam o Manguebeat e onde a banda procura um novo significado. A música “A Cidade”, uma espécie de maracatu, ritmo tradicional nordestino, unida à guitarra elétrica de Lúcio Maia, tornou-se numa das composições mais significativas da banda e dos anos 90, no Brasil. A composição fala das contradições das grandes cidades, como podemos ouvir em: “O Sol nasce e ilumina as pedras evoluídas / Que cresceram com a força de pedreiros suicidas”.
As pedras evoluídas da cidade são os prédios modernos construídos pelas mãos de pedreiros que mal conseguem sobreviver. Ainda assim, a cidade é apresentada como centro das ambições tanto para ricos como para mendigos. E, por isso, é cantado no refrão o cenário de segregação, onde os ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres, “A cidade não para, a cidade só cresce / O de cima sobe e o debaixo desce”.
O quotidiano da população também faz parte do discurso do Manguebeat. Assim, em “A Praieira”, o ato de ir à praia é narrado como um dos principais momentos de lazer das pessoas da região e a praia é apresentada como peça fundamental para a cidade e a sua cultura. Chico relembra a cultura popular que está atrelada à cidade do litoral: a ciranda, um tipo de dança, e a música de Pernambuco.
A faixa-título do disco traz as principais ideias que o grupo queria transmitir. Desorganizar os ritmos e reorganizar para dar um novo significado à música popular. Por essa razão a canção começa com “Posso sair daqui pra me organizar / Posso sair daqui pra desorganizar”. Mais uma vez, há um discurso aguçado sobre os problemas sociais no trecho “Peguei um balaio fui na feira roubar tomate e cebola / Ia passando uma véia e pegou a minha cenoura / Aê, minha véia deixa a cenoura aqui / Com a barriga vazia eu não consigo dormir”.
Chico Science apresenta um episódio da vida de uma criança, que se vê obrigada a roubar comida numa feira por estar com fome, e justamente por ocupar as camadas mais pobres da população. A frase “Ô, Josué eu nunca vi tamanha desgraça” é uma referência ao médico e ativista recifense Josué de Castro, que estudou a fome e a forma como ela afetava psicológica e socialmente os nordestinos.
Há espaço, também, para criticar a alienação vivida pelo povo reficence em “Antene-Se”. O vocalista estava mais interessado no conhecimento das ruas e por isso faz um apelo. “É só equilibrar sua cabeça em cima do corpo / Procure antenar boa vibrações / Procure antenar boa diversão”.
A penúltima canção do disco “Computadores Fazem Arte” foi escrita por Fred Zero Quatro, também um dos expoentes da cena Manguebeat. A composição é curta e simples, mas quase profética. O autor prevê o domínio dos computadores na sociedade contemporânea, e fala do uso da tecnologia para “mascarar” artistas sem talento, “Computadores fazem arte / Artistas fazem dinheiro”.
Em dois meses, a banda só conseguiu tirar das prateleiras 30 mil cópias. As grandes rádios de São Paulo e do Rio de Janeiro não compraram a novidade. Para elas, o som era muito regional. Ironicamente, as emissoras mais populares achavam o som dos recifenses muito Rock n’ Roll. Só quando o grupo se lançou nos Estados Unidos e na Europa é que começou a ganhar reconhecimento. Tudo isso teria sido apenas o começo se não fosse a tragédia que arrasou o movimento Manguebeat.
No dia 2 de fevereiro de 1997, Chico Science sofreu um acidente de carro fatal, aos 30 anos de idade. Em nome da continuidade do movimento, a Nação Zumbi continuou o trabalho musical, com Jorge Du Peixe nos vocais, mas Science mostra-se insubstituível até hoje.
Álbum: Da Lama ao Caos
Artista: Chico Science e Nação Zumbi
Editora: Sony
Data de lançamento: abril de 1994
Outubro 31, 2019
Na Verdade “Chico Science & Nação Zumbi” não foram os verdadeiros criadores percussores do Mangue Beat, Eles só foram Personagem da Criação Mangue Beat.
Criado por mim João Higino Filho Músico Compositor Criador E Idealizador Do Maior Projeto Musical Do Brasil Mangue Beat.