Eça de Queiroz, reconhecido por muitos como o melhor escritor do século XIX e como o introdutor do realismo em Portugal, apaixona mesmo mais de cem anos depois. O Crime do Padre Amaro, de 1875, é uma das obras mais difundidas pelo mundo, alvo de críticas da Igreja Católica, adaptada à cinematografia por duas vezes e uma verdadeira máquina do tempo pelo seu caráter descritivo, mas não exaustivo.

O Crime do Padre Amaro é considerado um dos melhores romances portugueses do século XIX e, por muitos, até mesmo o melhor. A descrição minuciosa proveniente de um olhar indubitavelmente tão atento, acrescida à história intrigante, fazem a obra merecedora do título supracitado. Permito-me dizer que o livro consegue transportar o leitor, tanto para a época em questão, como também para o meio dos intervenientes, por quem facilmente criamos sentimentos e quase vivemos a estória como um deles.

Eça fala-nos do padre Amaro Vieira, que se tornou pároco recentemente em Leiria. Inicia, então, uma relação com Amélia, uma jovem devota de 23 anos. Paralelamente ao tema central, outros temas percorrem a obra, através de personagens secundárias-tipo. Tal é o caso da contradição que existe entre o que os padres pregam e a vida que, na verdade, levam. Estas personagens aparecem, maioritariamente, no círculo de “amigos” do clero.

Eça de Queiroz

Outra denúncia feita, de ordem socioeconómica, é a contraposição da pobreza à vida abastada dos clérigos. Mas a intriguice, a bisbilhotice, a futilidade, a superficialidade, o vazio das pessoas, o desejo de alcançar poder através da religião, bem como o emprego desta como força política, o culto da aparência e da convenção e, ainda, os pseudomoralismos acabam por também não escapar à crítica.

Acredito que um dos fatores mais cativantes em O Crime do Padre Amaro é a mensagem crítica, mas contemporânea. Creio que, se Eça criticasse algo que o leitor não pudesse verificar na contemporaneidade, a absorção da lição seria significativamente menor. Ao retratar a futilidade, a bisbilhotice e a hipocrisia, por exemplo, consegue colocar o leitor numa posição “confortável” de tecer uma opinião pois, infelizmente, são questões tão verificáveis agora como eram em 1875.

Outro fator que permite muitos considerarem esta obra como o ex-libris de Eça (talvez a par d’Os Maias) é a sua não previsibilidade. Para além disto, também as personagens estão construídas, percetíveis no que representam, mas não exageradamente, a ponto de parecerem irreais. É ainda de admirar a discrição tão minuciosa dos espaços e das convivências, que nos permite perceber um pouco melhor o nosso país “no antigamente”.

O Crime do Padre Amaro é, indubitavelmente uma das melhores do de Eça de Queiroz e, arrisco-me a dizer, da literatura portuguesa. A obra é, portanto, fascinante, não só como literatura por diversão, mas também como estudo social da época em questão.