Perfume de Mulher estreou a 5 de março de 1993 nos cinemas portugueses. Realizado por Martin Brest, o drama convida-nos a uma reflexão sobre aquilo que mais valorizamos na vida. Com os contributos de Al Pacino e Chris O’Donnel, nasce a inspiradora história de uma amizade entre um ex-coronel e um universitário.

Penso que é seguro afirmar que um filme desperta imediatamente o nosso interesse quando o nome Al Pacino salta à nossa vista. Seja pela lembrança da sua performance enquanto Michael Corleone a ascender a Padrinho, ou sob a máscara de Tony Montana em Scarface, o ator vai para além da interpretação de um personagem. Ele é a personagem. Aquilo que é Al Pacino desvanece à medida que outro sorrateiramente se entranha e ocupa o corpo de um estranho. A primeira reação, ao observar o intérprete em cena, é aplaudir o seu profissionalismo. Porém, desta vez, consegue ultrapassar os limites do mero profissionalismo. É arte em movimento.

Perfume de Mulher

Perfume de Mulher conta a história de uma amizade improvável entre Frank Slade (Al Pacino), um tenente-coronel aposentado que ficou cego na guerra, e o jovem estudante universitário Charlie Simms (Chris O’Donnel). O rapaz é contratado por Frank para ser o seu guia durante o fim-de-semana de Ação de Graças, em Nova Iorque, mas desconhece o verdadeiro motivo por trás desta contratação: o homem pretende acabar com a própria vida.

Em apenas dois dias, uma amizade lentamente floresce entre os homens, que em praticamente tudo diferem. Ambos os papéis são interpretados por atores que criam uma química palpável. Um ainda jovem Chris O’Donnel interpreta um Charlie tímido, quieto e bastante sensível. Já Al Pacino, numa esplêndida dedicação ao papel, dá a conhecer ao público um Frank com um temperamento complexo e mergulhado numa rigidez que pode ser explicada, em parte, pelo seu passado militar marcante.

Contudo, há um ser a quem nem o lado mais frio de Frank consegue resistir: mulheres. Dizem que quando nos falha um dos cinco sentidos, os outros quatro apuram-se. No caso de Frank Slade, o seu apurado olfato consegue detetar os perfumes e, com esses aromas, descrever fisicamente o elemento feminino na perfeição. E mesmo não sendo um homem jovem, e sem uma visão clara capaz de as admirar, o seu charme de galã conquista-as num fechar de olhos.

Perfume de Mulher

A banda sonora é um elemento crucial na criação de uma ligação do público com as personagens. Numa trilha sonora composta por Thomas Newman, a música tema do filme é tocada em cenas que requerem uma resposta emocional do espetador. Assim, ao som combinado de instrumentos, o tema principal de Perfume de Mulher desperta um conforto no meio da confusão que é a mente de Frank.

Estamos na última década do século XX e a ausência de efeitos especiais é expectável. Porém, estes são também desnecessários numa filmagem que capta na perfeição os momentos chave para o desenrolar da história. Exemplo desta mesma ideia seria a cena em que Charlie visita Frank em sua casa para o conhecer. Sentado numa poltrona a beber o clássico whiskey Jack Daniels e a fumar o seu charuto, Frank assume uma posição intimidadora para com Charlie, ao fazer-lhe múltiplas questões. Com uma janela a servir de único ponto de luz do cenário, a escuridão remete para o contraste entre as duas personagens e também para o mistério que é Frank Slade.

A originalidade do argumento reside, exatamente, na complexidade que é Frank. Com o fortalecimento da sua amizade com Charlie e a vivência das experiências que ambos tiveram durante esse fim-de-semana, seria de esperar que Frank adotasse uma outra perspetiva em relação à vida. Contudo, Frank não consegue ultrapassar o infortúnio da sua cegueira, que o condenou perpetuamente a uma vida de miséria.

Perfume de Mulher

Mas será que a falta de amor próprio do coronel vence o amor paternal que ganhou por Charlie? Esta questão é levantada quando Charlie e o seu colega George (Philip Seymour Hoffman) são testemunhas de um ato de vandalismo dos colegas da universidade contra o diretor. Sendo os únicos que podem contar os factos, são submetidos a uma audiência em que terão de contar toda a verdade e, consequentemente, denunciar os colegas. Numa clara posição desvantajosa, pois Charlie agarra-se a uma bolsa de estudos, enquanto George tem o apoio financeiro do pai, Charlie prova a sua coragem ao recusar-se a denunciar os colegas.

Neste momento, mesmo não podendo usufruir da sua visão para olhar nos olhos de Charlie, Frank emite um discurso poderoso e emocionante em defesa do jovem. A ocupar a cadeira ao seu lado, o olhar de Al Pacino certamente mira algo, mas Frank Slade fixa num vácuo escuro. Mas palavras do coronel não encontram obstáculos num auditório que transpira o prestígio universitário. A insignificância que Slade atribui à instituição em prol da defesa de um jovem digno é a prova do caráter do mesmo. Arrisco em afirmar que este discurso é dos mais emblemáticos na história do cinema. Aliás, Al Pacino venceu um Óscar de Melhor Ator com Perfume de Mulher. Coincidência?

“WOO-AH!” Talvez o icónico grito de Frank Slade seja a maneira perfeita de terminar. Perfume de Mulher é um filme que transborda emoções. Um trabalho onde podemos encontrar o conforto dos sentimentos de amizade e compaixão, mas também navegar pelas águas atribuladas da angústia. A brilhante performance de Al Pacino é a prova de que um bom ator trespassa a simples interpretação de um papel. Todos nós podemos aprender algo com Frank Slade e carregar connosco. Por entre a escuridão há sempre uma luz que nos guia. Cabe-nos, apenas, encontrá-la.