Poder e manipulação giram numa espiral de Hitchcock no filme Rebecca, a Mulher Inesquecível, de 1940. Sem espirais ao estilo de Vertigo e com o suspense ao estilo de Psycho presente em peso apenas nos últimos minutos do filme, Hitchock paira na mesma sobre esta adaptação da obra de Daphne du Mauriers.
Na verdade, Hitchcock queria alterar grande parte da história. Foi Selznick que o impediu. O resultado é um filme mais aproximado do livro, embora não totalmente fiel.
Resumidamente, uma mulher casa com um homem demasiado atormentado pelo seu passado. Parece então casar, em simultâneo, com a mansão que o marido habita, com os criados, com a decoração talhada com as iniciais da ex-mulher, Rebecca. Todo o passado fantasmagórico parece estar mais vivo do que os próprios vivos.
Está presente, como é habitual, a constante Eva de Hitchcock, a mulher venenosa e perigosa embora, desta vez, totalmente triunfante. Esta é Rebecca. A personagem masculina principal, no entanto, não aparece desta vez como uma mera vítima, mas sim como mais uma poderosa peça no jogo de xadrez que as personagens jogam entre si. Tal é Maxim.
A revolução surge na personagem da mulher de Maxim. A esposa, apesar de se mostrar, como habitual, a mulher atormentada que sempre aparece nos filmes deste realizador, acaba por ser, e de uma forma algo subtil, diferente. Mais resiliente, talvez. Mais inteligente.
Discutir o assunto do feminismo nos filmes de Hitchcock iria fazer-me alongar demasiado. Por isso, limitar-me-ei a dizer que gostei das personagens, como gosto sempre, no geral. Talvez tenha até gostado mais um bocadinho. Vêm todas em segundo lugar na lista das minhas personagens favoritas de filmes deste realizador, liderada, demasiado inevitavelmente, por Norman Bates.
Não é por acaso que Rebecca, a Mulher Inesquecível foi aclamado de forma tão entusiástica pelos cenários e visual que apresenta. São marcantes, falam por si próprios, cantam e sussurram na sua presença tão obviamente material e, no entanto, tão profundamente espiritual. Manderley (“Manderley – Manderley, secretive and silent”), a mansão onde Rebecca viveu e pela qual espalhou a sua influência impossível de ignorar e a sua força de caráter, abre e fecha o filme. Aparece no início e no fim, cravando a sua silhueta fria no ecrã bicolor. Hitchcock faz isto na perfeição.
O enredo, mais uma vez, é ininterruptamente interessante, desde a primeira icónica e famosa frase: “Last night, I dreamt I went to Manderley again” ; até ao fim, revelando surpresas e dando a conhecer as personagens cheias de cantos, recantos e segredos que habitam a história.
Trata-se de um jogo sobre poder, manipulação e influência, em que dinâmicas de controlo se alteram e transformam, em que presenças contrastantes procuram exercer o seu domínio sobre as restantes, em que inocência e corrupção se misturam num combate fatal. Assim surge Rebecca, a Mulher Inesquecível.
“We can never go back to Manderley again”, diz-nos Mrs. De Winter. Mas nós podemos, e devemos manter a Manderley de 1940 viva. O mundo tornar-se-á verdadeiramente um local cinzento no dia em que se deixarem de ver filmes a preto e branco.
Título Original: Rebecca
Direção: Alfred Hitchcock
Elenco: Laurence Olivier, Joan Fontaine
EUA
1940