Num momento em que as alterações climáticas estão no centro dos debates mundiais, João Nuno Azambuja traz-nos uma abordagem criativa acerca desta temática. Autópsia é um livro que se destaca não só pelo seu enredo denso e descrições detalhadas, mas também pela complexidade das personagens que compõem esta história.

Ao longo das páginas iniciais, o leitor é envolvido na descrição de Autópsia, a ilha que serve de cenário a esta distopia. As descrições são ricas e a atmosfera do livro, por sua vez, é bastante envolvente. O cenário é de caos, uma vez que esta ilha fictícia se encontra em risco iminente de submersão, em consequência das alterações climáticas. Toda a narrativa se desenvolve em torno dos desafios que os habitantes têm de ultrapassar, de forma a tornarem a ilha habitável.

É dado especial destaque à perspetiva de Joe, um homem astuto e um tanto conformado com a sua situação. É através do seu olhar que o leitor tem oportunidade de melhor compreender toda a narrativa. É ainda fundamental referir a chegada de Brandão O’Neill, personagem afável que irá alterar todo o rumo da história. Brandão é um rapaz ambicioso que chega a Autópsia de forma inesperada. O jovem, vindo de uma ilha desconhecida, acaba por alimentar a esperança de todos os habitantes em terem um futuro promissor nesta terra mistério. Nesta fase iniciam todas as grandes disputas de poder.

João Nuno Azambuja

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O enredo desenvolve-se de forma lenta, o que contribui para um maior suspense ao longo de toda a história. É este clima de mistério que prende o leitor até ao fim, e é graças a ele que conseguimos absorver toda a crítica subjacente de Autópsia. De igual modo, é importante referir personagens como Klein ou Wagner, que contribuem para a satirização do tema, através dos constantes desentendimentos para com as restantes personagens, ou imposição de poder.

São os contrastes entre as diferentes personagens que tornam esta distopia tão rica e interessante. Não estamos apenas perante um livro que serve o propósito de entreter, mas também assume o propósito de suscitar reflexões no leitor, a partir das ligações que estabelece entre as características das personagens e os piores defeitos que a espécie humana pode possuir.

A escrita de João Nuno Azambuja é outro ponto fundamental para a riqueza do livro, uma vez que as descrições detalhadas permitem obter uma melhor imagem do cenário apocalíptico. As interações entre as personagens são um ponto-chave, pois assumem sempre um cunho impessoal e distanciado. Isto permite criar no leitor um cenário de maior envolvência com o clima catastrófico que rodeia os protagonistas.

É, então, possível inferir que Autópsia é um romance que aborda as alterações climáticas, mas não do ponto de vista científico e objetivo a que estamos habituados. Aborda o tema de uma forma mais ponderada e minuciosa no que toca à natureza humana e a sua incapacidade de evitar a autodestruição. Sem dúvida que toda a história, bem como as suas diferentes críticas subjacentes, estão muito bem enquadradas, criando o cenário perfeito, capaz de despertar a atenção do leitor e apelar à sua reflexão.