Dia 20 de setembro, Brittany Howard, vocalista dos Alabama Shakes, farta de ser porta-voz dos ideais de outros artistas e bandas, lançou um trabalho sobre si. Entre agosto e outubro, a artista andou em tour pelos Estados Unidos a divulgar este projeto intimista, repleto de desabafos pessoais e posicionamentos políticos.

Primeiro, quem é Brittany Howard? Já sabemos que é vocalista dos Alabama Shakes, várias vezes galardoados com Grammys. Trabalha, também, com outra banda de Rock americana, Thunderbitch. Contudo, o seu álbum pouco ou nada tem a ver com isto.

npr.org

Jaime traz-nos Brittany Howard enquanto pessoa. Filha de mãe branca e de um pai negro, a artista nasceu a 2 de outubro de 1988, no Alabama, um dos estados mais racistas dos Estados Unidos. A sua irmã, que faleceu de cancro enquanto ainda eram adolescentes, dá o nome ao álbum.

O nome é uma homenagem, já que o falecimento de Jaime veio moldar Brittany enquanto ser humano, mas a artista sublinha que as 11 faixas não são sobre a irmã. Eterna apaixonada por música, desde cedo nutria uma paixão grande por Elvis Presley e pelo género musical sulista dos EUA.

Desta vez, Brittany não vai só dar voz aos pensamentos da sua banda, vai falar de si, do que é, do que sofreu, daquilo em que acredita e daquilo que quer para si. Ao longo do álbum, aborda temas cliché mas sem o serem. O racismo, o amor, o sofrimento por amor e a saudade estão aqui presentes, mas abordados pela voz que dá alma ao projeto. Voz esta que não foge ao registo dos seus restantes trabalhos no que diz respeito à técnica, mas o mesmo não podemos dizer sobre a mensagem.

Jaime consegue ser sincero em todas as canções porque a cantora mostra-nos o seu melhor e pior. Tenho dificuldades em gostar dos álbuns em que os artistas enaltecem o seu estilo de vida e os seus bens, em que nos mostram como o mundo deles é fácil. Isto porque simplesmente não me parece humano, é difícil de nos relacionarmos.

Enquanto mulher negra a viver num dos estados mais racistas dos EUA, a artista teve, por vezes, alguma dificuldade em obter possibilidades e vivenciou uma ou outra situação menos agradável. Como exemplo disto, temos “Goat Head”. O título desta música vem do facto da cantora ter visto os pneus do seu pai serem furados e de colocarem uma cabeça de cabra – simbolizando o inferno – ao pé da sua casa, só pelo facto de serem negros. E por falar em situações mais complicadas, “Stay High” fala-nos do seu escape à realidade no final dos dias mais cinzentos.

O amor, os problemas que este pode acarretar e a saudade são também temas abordados no álbum. “History Repeats”, “Georgia” e “Short and Sweet” são alguns dos exemplos disto. Ao contrário do que poderíamos estar à espera, o amor de que a artista nos fala não é só o que sente pela falecida irmã ou por um possível companheiro. Brittany fala-nos também do amor que sente por Deus e do facto de acreditar que ele a ama mesmo tendo ela falhado.

Em “13th Century Metal” a artista mostra-se notoriamente cansada pela energia que gasta com algumas pessoas. É, talvez, no que diz respeito à letra, a minha preferida. Talvez por nunca ter sentido os horrores do racismo na pele de forma tão agressiva ou por nunca ter padecido de um amor homossexual que não pode ser revelado, algumas das letras do álbum não tenham conseguido afetar-me tanto, apesar da artista conseguir fazer-nos sentir empatia pelas situações.

Já nesta música, facilmente nos relacionamos com o tema, porque quem nunca fez resoluções para si mesmo? Além de que amor e racismo não são temas propriamente originais no mundo da música, ao contrário deste. Aqui, segue-se uma lista do que ela espera de si mesma, do que é e do que se quer tornar e da mensagem que quer transmitir e a quem quer transmitir. Como se fossem resoluções de ano novo, mas com a diferença de que serão cumpridas.

As letras possuem um papel bastante importante neste álbum, arrisco-me a dizer que são as protagonistas e que a melodia serve como uma banda sonora, ao contrário dos restantes projetos de onde conheço a artista. Já no que diz respeito aos aspetos técnicos e aos instrumentais, os créditos vão para Zac Cockrell no baixo, Robert Glasper no teclado, Nate Smith na bateria e aos dotes de guitarra de Brittany Howard que acrescenta à sua voz inconfundível.

Há uma melodia muito Blues / Soul nas cordas e um teclado à altura, mas destaco a bateria que, de forma pujante mas agradável, dita o peso do álbum e acompanha bem a carga emocional da voz.
Cru pela sinceridade, mas detalhado na produção, possui uma boa mistura mas demonstra pouca preocupação na coesão. Há uma grande transição de sons calmos para batidas mais Eletrónicas, mas nem por isso soa desconexo. Sendo o álbum sobre a vida e os ideais, acho que esta mudança entre o oito e o 80 torna tudo mais verdadeiro – porque a vida não é assim tão estável e harmoniosa.

Mesmo nas músicas que carregam uma letra na qual eu não me revejo tanto, os restantes instrumentos conseguem tornar a música agradável e consigo, na mesma, enaltecer o talento indiscutível de Brittany Howard. Jaime não é, definitivamente, “mais do mesmo”, pela mudança de registo da artista e por ser um trabalho autobiográfico – todos temos estórias e ideais diferentes. Não esperaria menos da cantora, no entanto surpreende e é uma excelente companhia para momentos de estudo, viagens de carro, dias de domingo ou manhãs em que precisamos de nos sentir compreendidos.