Em campanha eleitoral, todos os partidos jogaram a carta da cultura. Contudo, um dia após as eleições legislativas, a cultura continua a não ir às urnas. A poucas semanas de decidirmos o Orçamento de Estado 2020, interessa questionar que políticas serão adotadas para o financiamento artístico. A que preço se vende cultura em Portugal? Ou melhor: que preço dá Portugal à cultura?
Em primeiro lugar, a indústria cultural não se está a afirmar em Portugal. Não temos um Orçamento de Estado digno, não promovemos a cultura da maneira mais sedutora e, numa forma de expoente máximo de resistência, não conhecemos um currículo escolar que aborde de forma completa a importância da cultura no crescimento de uma comunidade.
Lá fora, contudo, o cenário é diferente e positivo, particularmente numa União Europeia de caráter “artisticamente económico”. Lançou-se a ideia de que, de facto, é possível fazer muito dinheiro com o setor se o soubermos incentivar. A preocupação governamental coloca, no entanto, a cultura à luz de outra perspetiva: investir nas áreas artísticas, nomeadamente nas indústrias que as representam, traz retorno económico e imediato?
É seguro dizer que, atualmente, o comércio cultural cresce na Europa, mas estagna em Portugal. As indústrias culturais e criativas são dos maiores motores impulsionadores da economia europeia, com o aumento do emprego, da atratividade, do consumo e da inclusão social. Da mesma maneira que o acesso à arte melhorou, também aumentou a sua oferta – além do entretenimento, priorizamos culturalmente o audiovisual, a internet, os jogos de vídeo, a arquitetura, o cinema, entre outras.
Um relatório britânico publicado este ano revelou que o setor das artes e cultura contribuiu mais para a economia do Reino Unido do que a agricultura e algumas áreas da indústria. Na União Europeia, o turismo cultural apresenta-se, agora, como uma das maiores fontes de rendimento económico, ao mesmo tempo que as empresas culturais crescem e se conjugam com novos e diferentes mercados. Por outro lado, se fôssemos para a rua, seria difícil questionar as pessoas sobre as Indústrias Culturais e Criativas (ICC) numa sociedade que não está preparada para perceber a economia da cultura.
Num elucidativo ensaio sobre a cultura europeia, o autor francês Jean-Noël Tronc instiga aos leitores uma utopia baseada na questão: “E se recomeçássemos pela cultura?”. Apoiado em estudos, o autor afirma que as “ICC estão no centro da economia e da competitividade europeias”. Este é o setor que agrega os trabalhadores mais jovens, numa área com grande concorrência mundial, principalmente norte-americana.
A União Europeia ambicionava, entre 2014 e 2020, que os Estados-membros mobilizassem mais investimentos para o património cultural e para os clusters criativos. Nacionalmente, é importante colocar as cartas na mesa e questionar quem consome a cultura, para quem está destinada, se está acessível e o que devem as organizações sociais e culturais definir como prioritário para uma melhor visão e reputação do setor cultural em Portugal. É imperativo que se criem mais veículos que transformem a criatividade e a propriedade intelectual em bens e serviços de consumo que também protejam e beneficiem os seus autores.
O epicentro problemático surge com a recusa em reconhecer a cultura como pilar de crescimento financeiro. A sociedade soube reinventar-se ao mesmo tempo que se instalou uma crise cultural no país. Aos olhos do Estado, este setor económico é visto, agora, como aquele que dá prejuízo, adotando um papel secundário por não trazer lucro imediato a uma economia que sabe (e ainda bem) crescer noutras áreas. Neste momento, qualquer fileira de mercado é capaz de gerar lucro, basta saber investir e servir – enquanto se agrada – as massas.
Retomando o caráter académico da área, que normalmente se expressa por estudar dois ou três autores no ensino secundário, o que não é suficiente, percebemos que o ensino português não está preparado para transmitir valores culturais. Isto reflete-se no futuro, uma vez que promover cultura entre os jovens e crianças é educar para um maior investimento, lucro, oferta e procura das várias e diferentes expressões artísticas. Tudo com vista a uma maior literacia cultural (e económica).
Posto isto, não se está a projetar o setor cultural com a dimensão industrial que se pretende para fazer o país crescer. Enquanto não houver investimento, não haverá lucro. Em contrapartida, enquanto não houver lucro, não haverá investimento. Este círculo, que reflete muitas das indústrias comerciais, só terá fim quando se redesenhar um quadrado que dê um vértice a cada um dos atores sociais com capacidade de agir: pessoas, Estado, cultura e financiamento.