Xavier Dolan retrata, de forma um tanto pessoal, o poder das celebridades e influência das mesmas no seu mais recente filme, A Minha Vida com John F. Donovan. Alvo de críticas pelo tom autobiográfico em que coloca as próprias experiências e fantasias na temática central do filme, há ainda bastantes lições que podemos retirar deste enredo.
A história relata a troca de cartas durante cinco anos entre o ator John F. Donovan e um aspirante jovem ator, Rupert Turner. Começam a trocar cartas quando Rupert tem apenas seis anos e John tem 21. Já aqui é notável o toque pessoal do diretor Xavier Dolan, que com oito anos escreveu uma carta para Leonardo Dicaprio depois de ver o Titanic cinco vezes. Ao contrário de Rupert, não obteve resposta do ídolo.
O filme começa com a reação de Rupert à notícia do suposto suícidio de John. Passa-se depois em três momentos espaço-temporais diferentes. O atual, em que Rupert, com 21 anos, é entrevistado sobre o livro que escreveu sobre as cartas que trocou com John. É esta entrevista que nos guia através das partes do passado, tanto da infância de Rupert no período da correspondência, como a ascendência e decadência da fama de John, no mesmo período. O conteúdo das cartas nunca é totalmente revelado, apenas a última, no final do trabalho.
Mas esta não é apenas uma história sobre um ídolo e o seu fã. Como Xavier Dolan nos tem habituado, está presente a temática da relação mãe e filho. Entre Rupert e Sam, vemos o rancor guardado pelo miúdo no que toca à decisão da mãe de se mudarem para Londres depois da separação com o marido, o que compromete a carreira de Rupert como ator. Por outro lado, Sam nunca vê realmente o rapaz por tudo aquilo que ele é, aquilo que ele sente e pensa.
É a professora do jovem quem melhor o vê e a todas as suas capacidades. Vemos a dedicação desta professora com os alunos (outra temática anteriormente explorada por Dolan). É ela também quem desencadeia a reconciliação entre mãe e filho.
Uma das cenas mais marcantes é mesmo a da reunião entre Sam e Rupert, no meio de Londres. O uso de câmara lenta, a narração de um texto que Rupert escreveu sobre a mãe ser a sua inspiração e o uso do cover de “Stand By Me”, dos Florence and The Machine, tornam a cena emocionante.
Por outro, a relação entre John e a sua mãe tem igualmente constrangimentos. Há muitas coisas deixadas por dizer entre os dois, desde a sexualidade de John até ao alcoolismo de Grace (a mãe). Também eles se reconciliam numa cena memorável, com a mãe a dar banho a John, num bonito momento de ligação. Também este é marcado por uma música, “Hanging By a Moment”, dos Lifehouse.
No entanto, a questão da sexualidade é central na trama. Para Rupert, constantemente vítima de bullying por os colegas assumirem que era homosexual, mas principalmente para John. Durante o período da ascensão da carreira, entre 2001 e 2006, não era ainda comum ver-se estrelas de cinema assumidamente homosexuais.
O ator tinha de lidar com uma constante pressão, fosse porque não podia estar com quem queria quando queria, fosse por ter de manter a fachada do relacionamento falso com a melhor amiga ou por ter de lidar com a solidão. Tudo isto, acrescentado a uma sucessão de escândalos relacionados, incluindo a descoberta da correspondência com Rupert e a posterior resposta, levam ao trágico fim do ator.
A solidão era algo com que ambos lidavam também. Não se integravam nos espaços a que pertenciam, tanto Rupert, na nova escola, como John, no mundo da fama. De certo modo, essa foi uma das razões que contribuiu para a correspondência de cerca de 100 cartas.
A nível técnico, Dolan dá prioridade aos planos de rosto e planos aproximados, com o intuito de nos relacionar mais com as personagens e as suas emoções. Há ainda cortes rápidos e mudanças de perspetiva que quase nos fazem sentir simultaneamente presentes e espectadores.
Xavier Dolan aposta também na trilha sonora, com uma entrada forte na introdução de A Minha Vida com John F. Donovan, com o hit “Rolling In The Deep”, da cantora Adele. Varia deste género até clássicos dos primeiros anos de 2000, como o cover de “Stand By Me” e “Hanging By a Moment”. Todos eles acrescentam emoção e intensidade a cenas que poderiam tornar-se banais pela simplicidade, mas nas quais a música é protagonista.
O tempo passado do filme termina com a narração da última carta de Donovan a Rupert, enquanto o rapaz reage à notícia do seu suposto suicídio. No presente, o agora jovem de 21 anos lembra Donovan com carinho na entrevista, aquilo que aprendeu com ele e o que o levou a ser diferente dele. Vemos então um Rupert que vive a sua verdade, leal a si mesmo (ainda que por vezes arrogante). A entrevistadora, que inicialmente se mostrou relutante em entrevistá-lo, acabou também emocionada com a história partilhada.
A Minha Vida com John F. Donovan não é uma obra de arte, tem as suas falhas. Explora diversas temáticas sem as aprofundar devidamente e, claramente, desmerece um pouco as personagens femininas. Ainda assim, e num estilo mais Hollywood do que ao que estamos habituados de Xavier Dolan, pretende passar uma mensagem. Mostra que atores ou artistas são pessoas como nós. São eles que influenciam e alimentam os sonhos de crianças e jovens, mesmo acabando, muitas vezes, por verem os seus destruídos.
Título Original: The Death and Life of John F. Donovan
Direção: Xavier Dolan
Argumento: Xavier Dolan, Jacob Tierney
Elenco: Kit Harington, NataliePortman, Jacob Trembley
Canadá
2018