De todas as possibilidades de acontecimentos que seriam capazes de afastar jovens artistas do mercado, o Wu-Tang Clan passou por todas menos a morte. Poderíamos dizer que, até mesmo essa, passou ao lado como um tiro de raspão. Wu-Tang: An American Saga, a minissérie de Hulu, propõe-se a contar a humilde jornada dos seus dez membros.

RZA, GZA, Ol’Dirty Bastard, Inspectah Deck, Raekwon, Ghostface Killah, Method Man, Masta Killa, Cappadonna e U-God (escusado será dizer que se tratam de nomes artísticos) sairam de Staten Island e tiveram de conviver com a epidemia da cocaína. Apesar das suposições das classes sociais mais altas, a série comprova a dificuldade em apenas viver lado a lado com essa realidade.

Wu-Tang: An American Saga

No bairro no qual cresceram os protagonistas de Wu-Tang: An American Saga, a grande maioria dos membros são de raça negra, à exceção de alguns polícias que, de tempos a tempos, fazem a ronda ao espaço e/ou a proprietários de lojas. O estado, digamos que talvez por motivos discriminatórios, nega constantemente aos habitantes o apoio social. Para além disto, as oportunidades de emprego são limitadas e, naturalmente, existem diversos problemas associados à pobreza. Num lugar assim não há muito mais por onde se pegar, a não ser aquilo a que mais nenhuma classe social se submete.

Durante os dez episódios que constituem a minissérie, há poucas referências a vendedores de droga caucasianos. De qualquer das formas, as menções (e aqui poderíamos também falar de uma discriminação invertida) referem-se a: jovens que querem ser rebeldes e meninos da mamã e do papá que têm muito dinheiro e nada para fazer. Para além de que o tipo de droga vendida à classe mais alta nada tem a ver com a dura e cruel realidade da rua.

Wu-Tang: An American Saga

Apesar de apresentar uma das líricas mais alternativas de todo o universo (“When I was just a sperm cell in the fallopian tube” – “Quando eu era apenas um espermatozóide na trompa de falópio) -, “See The Joy” é uma música representativa da agonia de se viver em tais condições. Agonia essa que questiona a própria felicidade do nascimento de uma criança (“I guess the womb is the first stage of hell / Now here I am in the danger zone” – “O útero é o primeiro passo para o Inferno / Agora estou aqui na zona de perigo”).

A música referida acima é interpretada por RZA, também conhecido como Prince Rakeem, de nome próprio Robert Diggs. O personagem foi o membro fundador do Wu-Tang Clan, um pequeno jovem que apenas sonhava em fazer a sua própria música.

No entanto, Robert cresceu num ambiente social desequilibrado, regido pela luta individual e a quem, aquando da sua primeira experiência com sucesso, tudo correu mal. Ainda que o trabalho gire em torno da dificuldade de se ser negro e pobre na América dos anos 90, é esta experiência de falha que permite alterar um pouco rumo da história.

Wu-Tang: An American Saga

Rakeem chega às ribaltas graças ao primo. Os proprietários das empresas discográficas aparentam gostar da sua lírica e dos seus beats. Mostram-lhe o ambiente vivido num estúdio de gravação e ele fica ao rubro. Mas como tudo o que é bom não dura para sempre, o jovem vê-se obrigado a tornar-se algo que não é.

“Ooh I Love You Rakeem” é um dos singles que fazem parte dessa mudança. Rakeem deixa de falar sobre problemas sociais e mostra a sua própria perspetiva do mundo, ao abordar temas completamente superficiais. Apesar de reconhecer nunca desrespeitar as mulheres (“Love them deeply, but never disrespect them” – “Amo-as profundamente, mas nunca as desrespeito”), a música baseia-se na sexualização das mesmas (“I keep a tab on the large amount / But sometimes I find myself losing count” – “Guardo uma grande tabela / Mas por vezes perco a conta”).

Wu-Tang: An American Saga

Na gravação do videoclipe da música, o protagonista é também forçado a mudar a forma como se veste. O facto de a série perder tempo com estes pormenores permite-nos discutir o poder das indústrias culturais na liberdade de expressão artística. Para além disso, quem conhece o videoclipe original consegue reconhecer o trabalho incrível de replicação.

A série conta com uma panóplia de atores de extrema qualidade. Entre estes destacam-se Ashton Sanders (RZA), Johnell Young (GZA), T.J. Atoms (Ol’ Dirty Bastard), Joey Bada$$ (Inspectah Deck), Shameik Moore (Raekwon), Siddiq Saunderson (Ghostface Killah), Dave East (Method Man), Caleb Castille (Darryl Hill) e Erika Alexander (Linda Diggs).

Wu-Tang: An American Saga é uma minissérie de drama, mais ou menos documental, que apresenta tudo a seu favor. Leva o espectador a questionar a vida em sociedade, apresenta uma época histórica nas suas diferentes abordagens, permite perceber o processo de construção musical e possibilita trocas de sorrisos. Agora resta esperar pela segunda temporada.